Furar a fila da vacina representa um ato grave contra a sociedade, pois atenta contra a vida de integrantes de grupos mais vulneráveis, como idosos e trabalhadores da saúde // Foto: João Viana/Prefeitura de Manaus
É preciso difundir, a todo momento, a informação de que o costume de levar vantagem em tudo, a qualquer custo, deve ser superado, pois representa a selvageria em detrimento da civilização que almejamos. São casos vergonhosos de ações ou omissões que demonstram uma grave crise ética na sociedade brasileira, presente nos mais altos escalões da vida pública e também no povo simples
Os desvios na aplicação da vacina contra o coronavírus (Covid-19) são situações absurdas que revelam a necessidade de uma ampla conscientização da população para a necessidade de comportamento ético no dia a dia. E os políticos têm obrigação de liderar um movimento, que não deve ser confundido com moralismo, mas que deve ser didático. Precisamos difundir, a todo momento, a informação de que o costume de levar vantagem em tudo, a qualquer custo, deve ser superado, pois representa a selvageria em detrimento da civilização que almejamos.
São casos vergonhosos de ações ou omissões que demonstram uma grave crise ética na sociedade brasileira, presente nos mais altos escalões da vida pública e também no povo simples. É emblemático o episódio, antes mesmo do início da vacinação, de segmentos profissionais, como associação de juízes e representantes de órgãos judiciários, todo da elite do serviço público, pedindo prioridade na distribuição da vacina contra o coronavírus, em flagrante desrespeito à autoridade responsável pela distribuição.
Como nessa primeira fase de vacinação, as doses não são suficientes para atender a todos, as secretarias de saúde devem priorizar os trabalhadores da saúde mais vulneráveis à covid-19, idosos, transplantados, trabalhadores com comorbidades ou doenças crônicas e que estejam, necessariamente, mais expostos ao risco de infecção pelo novo coronavírus em razão de suas atividades, não devendo haver discriminação entre classes de trabalhadores.
Com menos de um mês do início da vacinação, pipocam casos de desvios da vacina em várias unidades da federação e o Ministério Público Federal pediu à população que denuncie os casos suspeitos, já que é crime. Em outra frente, Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União manifestou, em nota pública, a reprovação aos numerosos episódios de violação das ordens de prioridade para a aplicação das vacinas contra a Covid-19 estabelecidas pelas autoridades sanitárias.
Em Goiás, os casos de desvios na aplicação da vacina não param de aparecer, quase sempre com participação de algum agente político, especialmente em municípios pequenos. Para se ter uma ideia, na pequena Orizona mais de 30% da vacinação pode ter sido feita em pessoas fora dos grupos prioritários. Já em Ceres, parentes de funcionários de hospitais particulares teriam se passado por faxineiros de hospital para conseguir ser imunizados. O secretário de Saúde de Pires do Rio furou a fila e mandou vacinar a esposa alegando que fez isso por ser “a mulher da vida dele”. Os casos são investigados.
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Leis, já temos. É preciso punir
A aplicação da vacina em qualquer pessoa que não se enquadre nos critérios definidos pelas autoridades de saúde, nesse momento, é irregular e deve ser denunciada aos órgãos de fiscalização e controle, como Ministério Público e mesmo à polícia. Furar a fila pode ser enquadrado como ato de improbidade administrativa, já que a vacina contra covid-19 é um bem público, custeado com verbas públicas e é oferecida gratuitamente à população, devendo ser respeitados os critérios definidos pelas autoridades de saúde para priorização.
Ao desviar um bem público que tem destinação pré-definida, o responsável pelo desvio desrespeita os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da lealdade às instituições, podendo ser punido não só criminalmente, mas também com a obrigação de ressarcir todo o valor correspondente às vacinas desviadas; pode perder a função pública se for servidor ou agente público e ser condenado a pagar multa no valor de até 100 vezes o valor do salário que recebe.
Além disso, o desvio de vacinas, por qualquer agente público, para finalidades não previstas pelas autoridades sanitárias pode configurar crime de peculato (apropriação, por funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio). A pena máxima pode chegar a 12 anos de prisão e multa.
Apesar da legislação brasileira já prever punição para quem furar a fila ou desviar vacina, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira (11/02) o projeto de lei 25/21, do deputado Fernando Rodolfo (PL-PE), que tipifica os crimes de infração de plano de imunização; peculato de vacinas, bens medicinais ou terapêuticos; e corrupção em plano de imunização, agravando as penas. A matéria segue para análise do Senado.
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É inadmissível qualquer ato que venha no sentido de tirar proveito da situação de calamidade pública que se encontra o país e é importante o controle social a ser exercido por todos, fazendo denúncias aos órgãos de controle para se coibir eventuais desvios que possam ocorrer. Como se vê, temos um longo caminho a trilhar no sentido de conscientizar cada brasileiro de que tirar vantagem a qualquer custo não é legal e, muitas vezes, pode ser crime.