quarta-feira - 09 - julho - 2025

Mundo / Política / Eleições Extremistas: Entenda por que o extremismo de direita se consolida no mundo todo

Donald Trump fala a apoiadores na Dakota do Sul, dia 23/9: primárias começam dia 15 de janeiro (Crédito:Andrew Caballero Reynolds)

 

Publicado por: Marcelo José de Sá Diretor-Presidente e Editor-Geral do Site do Jornal Espaço

 

Resumo

• Partidos de extrema direita ganham posições em governos e cadeiras nos parlamentos da Europa
• Milei, na Argentina, e de Geert Wilders, na Holanda, provam que forças políticas tradicionais estão cambaleantes
• É certo que muitos, depois de se elegerem, moderam o discurso e buscam governo mais pragmático
• Analistas veem conjunção de fatores para o crescimento dos conservadores desde a crise de 2008
• Nos últimos anos, dizem, a rejeição às pautas identitárias e à corrupção empurrou muita gente para a direita

As vitórias recentes de Javier Milei, na Argentina, e de Geert Wilders, na Holanda, não são apenas surpreendentes reviravoltas em países que há anos são governados por forças políticas tradicionais. Mostram que o populismo de direita se torna hegemônico, apesar de Donald Trump ter perdido há três anos o assento mais poderoso do mundo, na Casa Branca — para onde pode voltar no ano que vem.

O argentino venceu as eleições no dia 18 prometendo “tornar a Argentina grande novamente”. É o mesmo lema usado por Trump (“make America great again”), que foi um dos primeiros a comemorar seu triunfo. O holandês teve uma vitória estrondosa após passar décadas fomentando o ódio e pregando contra os imigrantes. Além das ideias radicais ou simplesmente ilegais, seu partido defende o “Nexit”, a versão local do Brexit, de desligamento da União Europeia. Também deseja abandonar o euro.

Esses são apenas os sucessos mais recentes desse populismo, e os exemplos se multiplicam.
• Em outubro do ano passado, pela primeira vez desde a Segunda Guerra, a Itália colocou no poder um partido neofascista, o Irmãos da Itália, da premiê Giorgia Meloni.
• Uma das primeiras líderes a comemorar a vitória de Geert Wilders, ao seu lado, foi Marine Le Pen, que está cada vez mais perto do poder na França. Ela obteve no ano passado 2,5 milhões de votos a mais do que havia obtido cinco anos antes na disputa pela presidência da França. Foi batida por Emmanuel Macron, que consegue liderar o centro após o desmantelamento do Partido Socialista e do conservadorismo gaullista. Mas ele não tem sucessores à vista, o que aumenta a chance de Le Pen (ou um aliado) levar a segunda maior economia do bloco europeu para a extrema-direita nos próximos anos.
• O húngaro Viktor Orbán, a voz mais estridente da extrema- direita no bloco europeu, conquistou no ano passado seu quarto mandato consecutivo.
 A legenda de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) cresceu na Alemanha em eleições regionais e já ocupa o segundo lugar na preferência nacional — um estudo recente da Universidade de Bielefeld mostra que um em cada 12 alemães tem visão de extrema-direita.
• A Espanha era um dos poucos países europeus que não tinha representantes da ultradireita no Parlamento, o que era conhecido como “exceção espanhola”, mas essa realidade já mudou. Apesar de ter perdido cadeiras nas eleições de julho passado (de 52 para 33), a legenda extremista VOX permanece como força decisiva e quase chegou ao governo.
• Na Polônia, a legenda da extrema- direita do presidente Andrzej Duda foi a mais votada em outubro (35,4% dos votos), e apenas por causa do desempenho dos partidos de oposição, que juntos conquistaram maioria, deve ficar fora do novo governo.
• O Chega foi o terceiro partido mais votado nas eleições legislativas em Portugal no ano passado.
 Na Suécia e na Finlândia, legendas de extrema-direita foram as segundas mais votados e passaram a integrar os respectivos governos recentemente.

O holandês Geert Wilders: líder extremista obteve maioria no dia 23 (Crédito:Sem Van Der Wal)

Integração ao mainstream

Analistas acham que essa onda extremista avançaria decisivamente em 2024, quando a ultradireita pode crescer nas eleições para o Parlamento Europeu. “Por toda Europa nós vemos o mesmo vento da direita soprando”, afirmou o extremista de direita belga Tom Van Grieken, após a vitória de seu aliado na Holanda.

Não é apenas a face beligerante desse populismo que se expande. Essas forças conquistaram espaço e passaram a influenciar a política da maioria dos países europeus. Não se trata mais de manifestantes com uniformes neonazistas ou de visual skinhead. Hoje se incorporaram à política convencional e circulam nos corredores do poder com terno e gravata.

Manifestantes em Apeldoorn (Holanda) protestam contra muçulmanos (Crédito:Jerry Lampen / ANP / AFP)

Na Argentina, a vitória de Milei animou especialmente os bolsonaristas, que estavam nas cordas depois do fracasso nas eleições do ano passado. Enxergaram nisso um sinal de que a extrema-direita permanece viva no Brasil.

Mas os primeiros sinais do novo presidente argentino também mostram que o sistema de pesos e contrapesos das democracias ainda consegue frear os impulsos mais radicais.

Para decepção de Jair Bolsonaro, Milei acenou em seguida para Lula e o governo chinês, que foram seus alvos prioritários na campanha, e se uniu à centro-direita para formar o governo.

O terremoto político causado em 2016 com o Brexit hoje parece ser uma pedra no caminho do conservadorismo britânico.

Da mesma forma, a italiana Giorgia Meloni moderou seu discurso contra a União Europeia e os ataques aos imigrantes, o que afastou de seu governo os membros mais extremistas.

Na própria Holanda, o vencedor terá que baixar o tom da cruzada antirreligiosa e dificilmente conseguirá tirar o país do bloco europeu. As negociações para costurar alianças são notoriamente difíceis lá. Da última vez, as tratativas para a formação de um governo levaram 271 dias, um recorde. E o Partido pela Liberdade, de Geert Wilders, conquistou 37 assentos no Parlamento — são necessários 76 para a maioria.

Javier Milei atacou “castas políticas”: eleito, moderou o discurso e acenou para Lula (Crédito:Emiliano Lasalvia / AFP)

Isso não quer dizer que instituições democráticas não sofram riscos. Um segundo mandato de Trump seria mais nocivo, já que sua agenda para minar a Justiça e o processo eleitoral teria prioridade e seria mais organizado. Seus aliados aprenderam com a dificuldade em reverter o resultado das urnas em 2020.

Sua delicada situação legal não parece ter afetado sua pré-candidatura. Ele enfrenta 91 acusações de diferentes crimes em quatro indiciamentos. Mas os processos parecem fortalecê-lo, ao invés de enfraquecê-lo.

Seus rivais no Partido Republicano não conseguem ameaçá-lo, por isso ele nem se dá ao trabalho de comparecer aos debates de pré-campanha da legenda. É praticamente certo que ele triunfará nas primárias que se iniciam em 15 de janeiro.

Enquanto a reeleição do presidente Joe Biden é cada vez mais questionada pela sua impopularidade e idade avançada, Trump atrai mais os jovens, latinos e negros, ganhando espaço no eleitorado tradicional dos democratas.

Giorgia Meloni levou um partido de origem neofascista ao poder em outubro de 2023 (Crédito:Pier Marco Tacca)

Todos os populistas se espelham em Trump. Por isso as eleições americanas do próximo ano são tão importantes. Um novo mandato para ele deve significar o aumento do protecionismo comercial, o acirramento da nova guerra fria com a China, o enfraquecimento de órgãos multilaterais como a ONU.

Em resumo, uma nova ordem internacional em que as ditaduras estão seguras e são dominantes e em que as democracias têm menos influência. Nesse cenário, países mais poderosos voltam a se sentir à vontade para expandir sua área de influência à força, como Vladimir Putin tenta fazer na Europa e o Irã, no Oriente Médio.

Um segundo governo Trump dará novo impulso ao isolacionismo e vai reforçar em política externa as posições que unem os radicais de direita na Europa:
• contra o apoio militar à Ucrânia,
 e incondicionalmente a favor da intervenção de Israel em Gaza, à revelia de uma posição negociada com os palestinos.

Protestos de grupos extremistas contra imigrantes em Colônia (Crédito:Sascha Schuermann)

Essa nova hegemonia também é fundada nas pautas de costumes. Uma poderosa sinalização nesse sentido foi dada nos EUA com a reversão do direito ao aborto na Suprema Corte, decisão histórica que estava em vigor há 50 anos.

Essa decisão reverbera em países como a Espanha, onde o Vox tenta revogar a legislação sobre violência de gênero e procura reverter direitos das mulheres, e na Hungria, onde Orbán ataca abertamente o “lobby LGBTQ”.

Não é apenas a luta pelos direitos das mulheres e pela diversidade que é ameaçada. A religião também virou arena de disputas. Na Holanda, a plataforma vencedora vai contra a liberdade de culto: é anti-islâmica, deseja o banimento do Alcorão e o fechamento das mesquitas.

E a xenofobia cresce de forma generalizada, num momento em que a crise com imigrantes na Europa é a maior desde 2016.

O domínio da extrema-direita também ameaça o consenso sobre o perigo climático e pode prolongar a emissão de gases de efeito-estufa, particularmente grave num momento em que os fenômenos extremos, como calor, incêndios e inundações, multiplicam-se em todo o planeta. Na Holanda, o partido vencedor prega mesmo o aumento da exploração de petróleo e gás, com o abandono dos acordos climáticos internacionais.

Viktor Orbán ganhou um quarto mandatoem 2023: controle das instituições (Crédito:Anna Szilagyi)

Esse predomínio conservador não surgiu do nada. Foi alimentado nas últimas décadas. Desde a crise financeira de 2008, que gerou enorme desconfiança contra as elites econômicas, até a pandemia de 2020, que obrigou o mundo inteiro a adotar medidas restritivas, gerando rejeição à ciência e à autoridade governamental.

Isso abriu espaço para teorias conspiratórias e a busca de bodes expiatórios, um terreno fértil para oportunistas. O nacionalismo virou uma bandeira poderosa para o ressentimento de segmentos da população que se sentiram relegados economicamente pela globalização e pela revolução tecnológica das bigtechs.

A popularização das redes sociais enfraqueceu a imprensa independente e deu combustível para o radicalismo.

Nos EUA, o bilionário Elon Musk virou o símbolo de como elas permanecem de portas abertas para o extremismo, após adquirir o Twitter (rebatizado de X), afrouxar a moderação e reabrir as portas para Trump.

“Onde há crise econômica, a juventude é muito prejudicada e não vê futuro. Daí a força da extrema-direita, disseminada pelas redes sociais, se explica ainda mais. As mensagens têm características de grupos sociais, e não de movimentos políticos.”
Emerson Cervi, cientista político da UFPR.

Armadilha identitária

Outro fator para a ascensão extremista, dizem especialistas, é o predomínio das pautas identitárias de esquerda. Como argumenta o cientista político americano Yascha Mounk no recém-lançado The Identity Trap (A Armadilha Identitária), as políticas progressistas da esquerda que visam corrigir raça, gênero e orientação sexual impulsionam populistas como Trump.

Segundo ele, essas pautas e o populismo de extrema-direita são opostos ideológicos, mas em termos práticos e políticos reforçam a posição um do outro. É uma tese semelhante à que o historiador Mark Lilla já defendia após Trump chegar ao poder: o identitarismo está minando a busca de consensos e fortalecendo os discursos populistas, como havia alertado.

Autor de um best-seller sobre a polarização nos EUA, The Soul of America (A Alma da América), o jornalista e escritor Jon Meacham tem uma visão mais otimista sobre a crise americana, matizada pela perspectiva histórica.

Ele argumenta que a democracia amadureceu em meio aos conflitos no país, e que o atual cenário não é inédito. A própria Guerra Civil, a luta das sufragistas, o macartismo, a Depressão e os conflitos isolacionistas pré-Segunda Guerra colocam em perspectiva as ameaças representadas por Trump.

Atualmente, há supremacistas brancos abraçando de forma estridente a campanha do ex-presidente. Mas Meacham lembra que os democratas só conseguiram há pouco mais de 50 anos garantir o direito ao voto aos negros, enquanto há menos de cem anos, em 1928, 30 mil membros da Ku Klux Kan desfilavam em frente à Casa Branca.

António Costa Pinto, cientista político do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, argumenta que a extrema-direita se estabeleceu na Europa:
 com a crise de representatividade dos partidos democráticos tradicionais,
 pelos desafios como globalização e imigração,
 e como reação à corrupção.

Esses fatores explicam a revolta eleitoral, afirma. Ele diz que o apelo é o mesmo nos EUA. “É aquele discurso populista, anti-imigrantes, protecionista, de povo contra as elites, o aborto e a identidade de gênero. O que existe em comum são os valores conservadores. Hoje são eles a ameaça à democracia liberal, e não a esquerda radical”, defende. “Passou da hora de se começar a tratar a direita extremista como um fenômeno que veio para ficar. O movimento já estava aí e não vai recuar, ainda que alguns líderes possam sofrer derrotas. A extrema-direita não depende de lideranças”, ressalta Cervi, da UFPR.

Democracias ameaçadas
Ataque às instituições mostra o perigo real da normalização do discurso extremista

Entre 2015 e 2020, triplicou o número de ataques da extrema-direita pelo mundo, segundo a ONU.

Os ataques ao Capitólio dos EUA (2021) e à sede dos Três Poderes em Brasília (este ano) são a materialização da investida contra as democracias, ainda que tenham fracassado em seu objetivo final.

Mas as ameaças são permanentes.

 Na Polônia, a legenda da extrema-direita nacionalista Lei e Justiça (PiS), do presidente Andrzej Duda, pretendia avançar em temas como a restrição à Justiça até ser barrado – por pouco – nas eleições de outubro.
 Viktor Orbán, que venceu na Hungria pela quarta vez em 2022, ganhou apoio para restringir mais a liberdade de imprensa, perseguir críticos e interferir na Justiça. O Partido pela Liberdade, vencedor da eleição na Holanda no dia 23, critica o Parlamento e o Judiciário do país.

A chegada ao poder dos radicais de direita serve de alerta, já que as democracias modernas não sucumbem mais com golpes militares, como dizem Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as Democracias Morrem, de 2018.

Para eles, são os próprios políticos que minam as instituições ao chegar ao poderTyranny of the Minority (Tirania da Minoria), recém-lançado pela dupla, se volta para o perigo das distorções de representação do sistema político americano. O sinal de alerta ficou ainda mais forte com a possibilidade de Trump voltar à Casa Branca.

(Omer Messinger)
Três ataques aos Parlamentos pela extrema-direita: em Washington (2021), Berlim (2020) e Brasília (2023) (Crédito:Gabriela Biló )

 

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