Nova rota da seda completa 10 anos com mais investimento e menos empréstimos. Foto: Pedro Henrique Batista Barbosa
Publicado por: Marcelo José de Sá Diretor-Presidente e Editor-Geral do Site do Jornal Espaço
Iniciativa completa 10 anos com perfil mais esguio e focado em investimentos em tecnologia
Quem faz parte do projeto
Veja os países que aderiram à iniciativa
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A pandemia aplicou um novo golpe e em 2020 os compromissos chineses na iniciativa caíram para metade do que haviam totalizado em 2015. Além disso, em muitos países os projetos não avançaram como se esperava, e muitas lições tiveram que ser aprendidas para reduzir não só os riscos econômicos, mas também os políticos e sociais. Empreendimentos com a marca da nova rota da seda enfrentaram protestos populares e oposição política da Ásia Central à África, em meio ao temor de que os financiamentos chineses tornariam os governos locais reféns de Pequim. O pano de fundo era a acusação nascida na Índia e difundida no Ocidente de que a estratégia chinesa era montar uma “armadilha da dívida” para tomar conta de ativos dos países devedores ao conceder empréstimos impagáveis.
Especialistas ocidentais já derrubaram a tese de que a China tem como estratégia uma “diplomacia da dívida”, para explorar países pobres endividados. Ao contrário da imagem de um poder centralizado em Pequim que movimenta as peças de forma coordenada, a realidade é que o sistema de financiamento chinês é fragmentado demais para que possa ser ordenado numa só direção, aponta um relatório do centro de estudos Chatham House, de Londres. Ainda assim, a acusação arranhou a reputação do governo chinês, que ficou mais cauteloso ao lidar com empréstimos.
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Marketing internacional
Num balanço destes dez anos, o primeiro sinal de sucesso apontado pelo governo é a expansão geográfica da iniciativa. De acordo com dados oficiais, 148 países assinaram acordos com a China para fazer parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), nome oficial do projeto da nova rota da seda, entre eles 21 da América Latina (até agora, o Brasil preferiu não aderir). O volume de recursos envolvidos também é expressivo: no primeiro semestre do ano, atingiu US$ 1 trilhão, segundo balanço do CFVD.
Ao analisar o desempenho da “nova rota da seda”, a primeira dificuldade é estabelecer o que faz parte dela. Na euforia dos primeiros anos, quando havia recursos de sobra para financiar grandes obras em países em desenvolvimento, a ICR era a principal bandeira da diplomacia chinesa, fincada em inúmeros eventos temáticos, de seminários acadêmicos a festivais gastronômicos e de cinema. A sensação era de que a própria política externa da China havia se tornado um evento temático em torno da nova rota da seda.
No ritmo da propaganda estatal, o marketing da iniciativa se estendeu a toda ação internacional da China. Exemplos: a ajuda a outros países na pandemia, com fornecimento de máscaras e vacinas, virou a “rota da seda da saúde”; o programa de satélites passou a ser a “rota da seda do espaço”. Uma anedota contada até hoje traduz a confusão criada pelas intermináveis ramificações: os estrangeiros não sabiam o que era a ICR; já os chineses não sabiam o que ela não era — já que qualquer iniciativa do governo levava sua marca.
Desde o início, países do Ocidente manifestaram preocupação com o potencial que havia na nova rota da seda de expandir a influência econômica, tecnológica e militar da China, abalando a ordem mundial. Para rivalizar com a iniciativa chinesa, um plano de infraestrutura global foi anunciado pelo G7, grupo que reúne sete das economias mais industrializadas, mas a reação geral foi de ceticismo. Toda contribuição aos países desenvolvidos é bem-vinda, mas a iniciativa ocidental não será capaz de competir com os custos mais baixos, os padrões mais flexíveis e a rapidez das empresas chinesas, comentou Caroline Crystal, do centro de estudos Council on Foreign Relations, de Nova York.
Objetivo atingido
O convite a Putin para a conferência de dez anos da ICR ressalta o caráter geopolítico do projeto, presente desde o início nos cálculos de Pequim e sempre o que mais chamou a atenção. Mas essa ideia difundida em meios acadêmicos e políticos, de que havia uma grande estratégia com coordenação centralizada para expandir a influência global da China é exagerada, diz o pesquisador argentino-brasileiro Santiago Bustelo, que se debruçou sobre os financiamentos chineses na América Latina em seu doutorado na Universidade Fudan, de Xangai.
Quem acompanha o funcionamento do governo chinês entende que há muito menos método do que se pensa, diz Bustelo. A ICR foi antes de tudo um arcabouço para organizar um processo que já estava em andamento, mas era muito fragmentado, de financiamento em infraestrutura no exterior com o suporte de grandes bancos estatais, segundo o analista. Mesmo sem uma “grande estratégia” e com problemas em vários países, o objetivo de expandir a presença chinesa no mundo foi bem sucedido, diz ele.
“A iniciativa “pegou”. Consolidou relações econômicas da China em termos globais e deu a sensação de avanço do país. Mas o processo é mais confuso do que parece,” diz.
China
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