Investigação da Polícia Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) detectou um suposto esquema de manipulação do sistema de distribuição de processos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. As provas obtidas nesta investigação resultaram em ação de improbidade administrativa do analista judiciário Edvaldo de Lira Simões, que, em 2016, comandava o Departamento de Tecnologia e Informação do Tribunal.
Edvaldo, conforme o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, manipulou a distribuição do processo pelo sistema digital do TJ (o e-Saj), para que a denúncia da Operação Coffee Break, contra o ex-prefeito Gilmar Olarte, fosse direcionada para 5ª Vara Criminal.
A investigação ocorreu em Brasília e foi conduzida pela Polícia Federal e pelo CNJ, porque no início dela desembargadores que têm foro privilegiado foram investigados.
Além de Olarte, eram acusados na mesma ação o ex-governador André Puccinelli, e o ex-prefeito de Campo Grande e atual senador, Nelson Trad Filho (PSD).
A manipulação do processo criminal ocorreu em 2016. A Operação Coffee Break investigou um esquema de compra de votos na Câmara de Campo Grande para cassar o ex-prefeito Alcides Bernal, para que o vice dele, Gilmar Olarte, assumisse o cargo.
O processo criminal, que inicialmente foi distribuído no Tribunal de Justiça, porque Gilmar Olarte tinha foro privilegiado, acabou descendo para a primeira instância, quando ele perdeu o cargo de prefeito, e foi então que Edvaldo de Lira Simões teria recebido a missão de direcionar a distribuição da ação penal para a 5ª Vara Criminal.
Ele obteve êxito na empreitada, segundo os promotores que assinam a denúncia: Marcos Alex Vera de Oliveira, Humberto Lapa Ferri e Adriano Lobo Viana de Resende. Mas só não conseguiu que o processo permanecesse na 5ª Vara Criminal, porque o Ministério Público lembrou, na ocasião, que a 1ª Vara Criminal é quem tinha a prevenção para julgar os casos relativos à operação.
A ação penal acabou arquivada pelo Procurador-Geral de Justiça em exercício na época, Humberto Brites.
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“Morre aqui. Eu só posso te falar que é peixe grande. De cabeça. Senão também não ia tá te falando”
Edvaldo de Lira Simões, ex-diretor do Departamento de Tecnologia e Informação do Tribunal de Justiça, ao relatar ao colega Renato Moura de Paula, sobre o mandante do esquema para manipular a distribuição da ação penal da Operação Coffee Break.
O ESQUEMAConforme o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, Edvaldo de Lira Simões teria cooptado pelo menos três servidores do Tribunal de Justiça, para manipular a distribuição dos processos, de modo que a missão repassada a ele, de direcionar as acusações contra as autoridades da época à 5ª Vara Criminal, tivesse êxito.
Nos depoimentos, os servidores que foram abordados por Edvaldo, que estão arrolados como testemunha no processo, confirmaram aos investigadores o que houve.
É o caso do depoimento do servidor Renato Moura de Paula, que disse ao delegado da Polícia Federal em investigação conduzida a pedido do Superior Tribunal de Justiça.
“Queria determinar, direcionar a distribuição dele para uma determinada vara criminal”, disse Renato, em depoimento, ao afirmar que Edvaldo propôs que ele direcionasse a distribuição. “Ele queria que eu ajudasse ele a burlar, de certa forma, o sistema”, afirmou.
“Ele falou para mim que o Edvaldo tinha procurado ele e pedido para ele ajudar a fazer com que o processo da Coffee Break caísse […] Para cair… Para o processo da Coffee Break ir para a 5ª Vara Criminal”, afirmou outra servidora do Tribunal de Justiça, Liriane Aparecida Nogueira, ao relatar um diálogo que teve com Renato Moura de Paula, em depoimento à Polícia Federal.
A investigação também têm um diálogo entre Edvaldo, acusado de improbidade, e Renato, fundamental para as investigações. Em um dos trechos, Evaldo afirma: “Eu preciso fazer cair em uma determinada Vara. Eu não sei se você está bem a par do sistema lá, se você entende bem da questão dos pesos lá…”.
Os pesos a que Edvaldo se refere são os critérios de distribuição dos processos judiciais. Foi nesta conversa que o ex-diretor de tecnologia sugeriu como agir a Renato. “Uma hora você observa, pega os inquéritos, a hora que você tiver curiosidade, pede para uma pessoa só distribuir os inquéritos e senta perto e fala para distribuir uns 10 inquéritos, você vai ver o comportamento deles. A hora que distribuir um, o próximo você vai saber mais ou menos onde vai cair”, disse.
ACUSAÇÃONesta semana, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, aceitou a denúncia contra Edvaldo. Se condenado, ele poderá ser punido com a perda da função pública, dos direitos políticos, proibição de contratação do poder público e uma multa de até 100 vezes o valor de seu salário.
O Correio do Estado procurou o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Não houve resposta até o fechamento da edição.
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Confira abaixo, o depoimento do servidor Renato de Moura Paula à Polícia Federal, em que ele confirma o pedido do ex-diretor Edvaldo Lira, para interferir na distribuição do processo:
Depoente – Bom, na época, eu trabalhava na STI, diretamente com Sage, que é nosso sistema processual e foi quando, então, o então Diretor da nossa Secretária me solicitou que…
Delegado – O então Diretor quem que era?
Depoente – O Sr. Edvaldo.
Depoente – Edvaldo de Lira Simões. É…, me chamou na sala dele e conversando alguns assuntos relacionados ao trabalho e, no meio da conversa, ele me disse que precisava direcionar um determinado processo que estava sendo declinado do TJ para a primeira instância.
Delegado – Isso era em que época mais ou menos?
Depoente – É…,setembro de 2016.
Delegado – Ele falou que processo que era?
Depoente -Da Coffe Break, que ouvia o então…,o ex-prefeito até tinha recém renunciado e, por isso, que houve o declínio.
Delegado – Aí o que que ele queria fazer com esse processo?
Depoente – Queria determinar, direcionar a distribuição dele para uma determinada vara criminal.
Delegado -Hã-hã! Qual Vara que era?
Depoente — A 5ª Vara Criminal
Delegado -Hã-hã! Pode continuar.
Depoente — E me propôs isso, e que eu, na verdade, eu me recusei a fazer.
Delegado -Ele pediu para você distribuir esse processo direto?
Depoente — Na verdade, assim, ele queria que eu ajudasse ele a burlar, de certa forma, o sistema.
Porque a distribuição quem faz seria o Fórum de Campo Grande, o setor da distribuição, mas, na verdade, ele queria que a gente desse…, fizesse algo que tirasse da concorrência, né, as outras varas para que, na hora em que o sistema fosse escolher, de forma que ele tivesse só uma opção.
Delegado -Hã-hã!
Depoente — Para direcionar a distribuição(…)
Delegado – Aconteceu alguma coisa a respeito a sua remoção, relacionando isso daí com a sua remoção para Três Lagoas?
Depoente — Na verdade, sim. Ele me chamou para conversar sobre esse assunto, porque, logo que ele assumiu, falaram para ele que eu tinha interesse e tal, mas, assim, logo depois desses fatos me motivou, pessoalmente, a querer ir embora, justamente, para…, devido a essa situação que a gente passou. Daí eu pedi a remoção e logo fui removido.
Delegado -Hã-hã! Teve alguma vinculação? Ele tentou vincular alguma coisa: a sua remoção com essa distribuição do processo?
Depoente — É, sim. De certa forma, ofereceu uma, né? Seria mais fácil, ofereceu a facilidade…
Delegado — Se você ajudasse ele a distribuir o processo para esse juiz específico,ele ajudaria na sua remoção?
Depoente — Sim.
Fonte: Correio do Estado