Denúncia feita à Justiça pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Goiás (MP-GO) detalha as ações do grupo supostamente liderado pelo ex-vereador de Goiânia, José Maurício Beraldo, que teria praticado golpes contra pessoas de baixa renda, com a promessa de que elas teriam acesso à casa própria. Conforme o relatório, os 11 integrantes do grupo, denunciados por estelionato e associação criminosa, além de cobrarem valores indevidos das vítimas, chegaram a cobrar por moradias de uma etapa do loteamento do Residencial João Paulo II, Região Norte de Goiânia, que nem vai existir.
Os fatos vieram à tona em outubro do ano passado, com a deflagração da Operação Alicerce. Os suspeitos foram presos, na época, e hoje vivem monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Por meio da Sociedade Habitacional Comunitária (SHC), uma associação, a princípio, sem fins lucrativos e criada por Beraldo em 1996, o grupo se responsabilizava por fazer o cadastramento de pessoas interessadas em obter moradias a partir de programas habitacionais realizados pela Agência Goiana de Habitação (Agehab) e a Caixa Econômica Federal.
A investigação focou somente nas irregularidades cometidas no cadastramento referente ao Residencial João Paulo II, cuja segunda etapa sequer foi concluída (a previsão é final de 2019). Apesar disso, pessoas foram cadastradas e tiveram de desembolsar valores que oscilam entre R$ 6 mil e R$ 20 mil, ao serem enganadas com a justificativa de que novas moradias seriam fornecidas a partir da terceira etapa do loteamento. Ao apurar o caso, o Gaeco descobriu junto à Agehab que sequer existe previsão para a consolidação desta etapa, tampouco terreno suficiente para atender ao total de cadastrados pela SHC.
Desde que as irregularidades foram denunciadas, o MP-GO tem sido procurado por pessoas que se dizem vítimas do esquema armado pela associação e que durou, exatamente, entre 2004 e outubro do ano passado. Em menos de um ano, já foram identificadas pelo Gaeco 199 vítimas que pagaram valores à SHC. Sem a atualização do valor referente ao tempo decorrido, o montante equivale a um total de R$ 1,4 milhão. O dinheiro, conforme a denúncia, era depositado, em primeiro momento, na conta da SHC, e depois era transferido para a conta de pessoas ligadas à associação.
“Os depoimentos das testemunhas colhidos no Ministério Público indicam que a SHC foi utilizada como fachada para o enriquecimento ilícito de seus diretores e auxiliares, ora denunciados, em prejuízo de diversas famílias”, diz o texto da denúncia. Para se ter uma ideia, na primeira etapa do loteamento, concluída em dezembro de 2013, depois de muita polêmica e denúncias que já davam conta das supostas irregularidades, foram fornecidas 440 casas. O Gaeco estima que só nesta fase foram cadastradas pela SHC cerca de 1,8 mil pessoas, sendo que cada uma delas teria pago diretamente à associação um valor entre R$ 2,5 mil e R$ 3 mil para a construção do alicerce.
Essa contrapartida dos beneficiários deveria ser paga apenas depois de o cadastro deles ser aprovado pela Agehab, indicando, assim, que eles receberiam do Estado um cheque moradia para ajudar no restante da construção. Conforme o apurado pelo MP-GO, o pagamento era solicitado pela SHC independente da aprovação do cadastro, como se fosse uma condição para garantir a entrada dessas pessoas na fila de espera. O descompasso entre a regra e o que estaria sendo praticado pela associação foi o que gerou um total de interessados muito além da capacidade de oferta.
Mudança
Diante desse cenário, as obras foram paralisadas em 2009. Muitas das pessoas que se cadastraram chegaram a participar ativamente da construção dos alicerces, em mutirões realizados pela SHC. Existem, no entanto, até hoje, pessoas que pagaram pelo alicerce na primeira etapa do loteamento e ainda não receberam a moradia. A polêmica do caso fez com que a Agehab e a Caixa adotassem um novo procedimento de cadastro, sem a necessidade de contrapartida financeira dos beneficiários e tentando minimizar o poder de interferência da SHC. Na prática, porém, conforme o apurado pelo Gaeco, as cobranças continuaram sendo feitas.
Uma empresa foi contratada pela Agehab e pela Caixa para concluir a primeira etapa das moradias, na época. Nem os alicerces que estavam construídos foram aproveitados. Eles foram destruídos, pois não estavam de acordo com o projeto. A partir da segunda etapa, a regra de cadastro foi: o Estado forneceria um cheque moradia e o restante seria financiado pelos beneficiários junto à Caixa, sem a necessidade de eles fazerem pagamentos antecipados. A SHC continuou responsável pelo cadastramento e a denúncia do MP-GO mostra, no entanto, que valores continuaram sendo cobrados apesar da desnecessidade.
O advogado José Batista do Carmo, responsável pela defesa do ex-vereador José Maurício Beraldo, alega que nunca existiu associação criminosa e que as pessoas que buscavam auxílio junto à SHC faziam isso de livre e espontânea vontade. “Essa denúncia é inverídica. Tem um pessoal que é inimigo do Maurício e quer prejudicá-lo politicamente”, afirma. Em relação às quase 200 vítimas que apareceram desde a deflagração da Operação, o advogado diz que elas estão sendo procuradas para irem até o MP-GO. “Pessoas que não são do Ministério Público ligam para elas e se apresentam como sendo do MP e as convencem de fazer a denúncia”, diz.
José do Carmo alega ainda que a investigação não possui provas para atestar a autoria de seu cliente. Nesta primeira denúncia, foram apresentados apenas 14 casos de supostas vítimas do estelionato praticado pela SHC. Os outros vão ser objeto de procedimentos futuros. Beraldo e os companheiros são proibidos de se aproximarem da sede da associação e de manterem contato entre si.

Fonte: Jornal do Vale