O governo de Goiás é alvo de investigação do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) por suspeita de não ter investido o porcentual mínimo obrigatório em educação, nos últimos anos. Tanto a legislação federal como a estadual estabelecem que o investimento anual deve corresponder, pelo menos, a 25% da receita resultante de impostos. Entre 2015 e 2017, por exemplo, as contas do Estado foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO), mas com ressalvas e observações técnicas que abrem brechas para questionamentos quanto ao cumprimento desse mínimo constitucional.
Situações detectadas pelo corpo técnico do TCE-GO, como a inclusão de pagamentos empenhados, mas não executados (os chamados restos a pagar), valores gastos com merenda e até servidores inativos não deveriam, em tese, constar entre o que se considera investimentos em desenvolvimento educacional. Os relatórios do Tribunal mostram que isso teria sido feito, entre 2015 e 2017, servindo para atingir o mínimo de investimento. Sem esses valores respectivos, conforme ressalvam os documentos (veja quadro), os porcentuais atingidos nos últimos três anos ficariam abaixo dos 25%.
O Ministério Público de Contas (MPC-GO) representou o caso junto ao MP-GO, com o entendimento dos procuradores de que os índices de investimento não foram atingidos, infringindo a lei. Um inquérito foi instaurado pela promotora da 78ª Promotoria de Justiça de Goiânia (Patrimônio Público), Villis Marra. Na portaria de abertura da investigação, além de oficiar o presidente do TCE-GO, solicitando informações sobre as contas apresentadas pelo governo, ela determina ainda a notificação da ex-secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, e do ex-governador Marconi Perillo (PSDB).
“Incluíram a merenda e não pode, incluíram os gastos com inativos em 2017 e também não pode. O que eu acho que é grave é o Tribunal de Contas do Estado passar a mão na cabeça. Não pode. Incluir restos a pagar também não pode, pois isso não é compreendido como investimento, pois está devendo ainda e isso pode ser questionado numa ação judicial”, afirma a promotora. Segundo ela, ainda não foi possível notificar Raquel e Marconi para prestarem esclarecimentos. A ex-secretária estaria em viagem no exterior, com oitiva prevista para o final deste mês e o ex-governador não foi encontrado no endereço registrado. Uma nova tentativa será feita, de acordo com Villis.
Em resposta, a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) alega que o detalhamento dos investimentos mostra que as despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino público em Goiás foram superiores aos 25%, chegando a 26,54% no ano passado. A análise técnica do TCE-GO, no entanto, identificou valores de restos a pagar que foram incluídos no total de investimento em educação informado como sendo o referente a 2017. Com a retirada desse montante, o porcentual cairia para 24,5% da receita.
Em 2016, a presença de valores não quitados entre os gastos relacionados da educação pública em Goiás também suscitou observação do Tribunal. “Deve-se ressalvar que segundo o Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF), o valor dos restos a pagar inscritos no exercício deve ser excluído do cômputo do cálculo de aplicação em manutenção e desenvolvimento do ensino”, consta no texto do relatório. Villis Marra defende que esses casos devem ser retirados do total apresentado como investimento e serem compreendidos apenas como valores que devem ser compensados no exercício seguinte.
Em relação a 2017, segundo o relatório do TCE-GO, restou, na verdade, um déficit de investimento de mais de R$ 79,7 milhões. A Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) argumenta que as contas foram apresentadas conforme os critérios estabelecidos pela legislação e submetidas aos órgãos de controle. Além disso, o órgão alega que as questões levantadas encontram-se superadas com a aprovação das contas em colegiado no TCE-GO e da Assembleia Legislativa. “As recomendações são sempre recebidas e utilizadas pelo governo como forma de aperfeiçoamento da gestão”, diz o texto da nota.
Contabilidade incluiu R$ 24 milhões da merenda
A apuração do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) sobre o cumprimento do mínimo constitucional de investimento em educação, no Estado, já identificou que em 2015 foi incluído no montante informado o valor de R$ 24 milhões, gastos com merenda escolar. O índice de 25% de investimento, em relação a receita de impostos, só foi atingido com o auxílio desse valor. A Lei nº 9.934 de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, define, no entanto, que gastos com programas suplementares de alimentação não constituem despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino. “Isso [incluir gasto da merenda] fere frontalmente a lei”, afirma o procurador-geral do Ministério Público de Contas de Goiás (MPC-GO), Fernando Carneiro.
Na época, conforme o texto do relatório feito pelos técnicos do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO), a exclusão do valor da merenda reduziria o índice de investimento atingido para 24,95%, ou seja, abaixo do que determinam as Constituições Federal e Estadual. Com o valor inserido, o porcentual ficou em 25,12%. Por se tratar de elemento novo, identificado pela primeira vez, a relatoria das contas do governo em 2015 compreendeu, porém, que os técnicos tinham razão, mas que, por se tratar de interpretação inédita, não adotada em anos anteriores, ela não poderia ser aplicada de imediato, sob pena de afronta aos princípios da segurança jurídica e da confiança. Deliberou-se, então, que este entendimento fosse adotado a partir de 2016.
“Com efeito, dada a natureza suplementar dos programas de merenda escolar, não se tratando, na essência, de despesa com manutenção e desenvolvimento do ensino, justifica-se sua exclusão do cálculo para cumprimento do mínimo constitucional, aplicando-se tal entendimento para os exercícios vindouros, de modo a assegurar que o Poder Executivo possa se adequar a esta interpretação, procedendo aos devidos ajustes nas despesas do exercício de 2.016”, avaliou o TCE.
A promotora que apura o caso, Villis Marra, diz que, a princípio, a situação vem sendo analisada sob o prisma da improbidade administrativa e que, neste momento, não dá para afirmar se houve alguma contravenção penal ou crime. Isso só deve ocorrer ou não com o desenrolar da investigação.
Da Redação com OP
Fonte: Jornal do Vale