sábado - 23 - novembro - 2024

Brasília / Senado Federal / Saidinhas / Votação: Projeto de Lei que busca limitar ‘saidinhas’ de presos será votado no Senado

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Plenário do Senado Federal

 

Publicado por: Marcelo José de Sá Diretor-Presidente e Editor-Geral do Site do Jornal Espaço

 

O recesso de carnaval do Congresso Nacional terminou no último domingo, 18, e os parlamentares retornam nesta segunda-feira, 19, para prosseguirem com os trabalhos do Poder Legislativo. Uma das principais pautas no Senado é o Projeto de Lei que visa limitar as saídas temporárias de presos no Brasil, proposta que teve a tramitação considerada como urgente pelo plenário em 7 de fevereiro.

Atualmente, presidiários que estão no regime semiaberto entre quatro e oito anos de prisão podem pedir o direito à saída temporária em cinco ocasiões ao longo do ano para que possam visitar familiares ou participar de outras atividades sociais. Para ter acesso a tal oportunidade, o encarcerado precisa comprovar um comportamento “adequado” no sistema penitenciário e ter a autorização de um juiz.

Projeto de Lei

O Projeto de Lei, cujo relator é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), pretende além de restringir as “saidinhas” de encarcerados, estabelecer o uso de tornozeleira eletrônica nos presidiários que estejam no regime semiaberto e aberto, além da realização de exame criminológico para que a progressão de pena possa ser cumprida, o que é facultativo atualmente. A proposta foi aprovada pela Comissão de Segurança Pública no dia 6 de fevereiro.

O senador e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (União-PR) alterou o projeto, permitindo que presos em regime semiaberto pudessem ter acesso à saída temporária caso a justificativa seja a de participação em cursos educacionais e profissionalizantes, o que seria uma forma de ressocialização. O parlamentar também comemorou a aprovação por parte da Comissão de Segurança Pública, citando que a proposta é resultado de uma reclamação legítima das forças de segurança.

“Os recursos são escassos e temos que mobilizar toda uma força policial para ir atrás de presos que foram colocados em liberdade deliberadamente, por conta de um benefício previsto na constituição”, afirmou Sérgio Moro, complementando que vários desses encarcerados voltam a cometer crimes e trazem insegurança à população brasileira. Tal discurso veio à tona após a morte do policial militar Roger Dias da Cunha.

O agente das forças de segurança foi baleado no dia 8 de janeiro em Belo Horizonte (MG) por um presidiário que era condenado da Justiça e estava em saída temporária. Na época, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lamentou a morte do policial no seu perfil na rede social X (antigo Twitter), relatando que o crime é de gravidade acentuada e gerou grande perplexidade e tristeza em todos.

Entretanto, apesar dos esforços do Poder Legislativo para que o Projeto de Lei seja aprovado, o MPF (Ministério Público Federal) declarou por meio de um comunicado que a proposta é “flagrantemente inconstitucional”, já que as saídas temporárias representam um importante instrumento para a ressocialização e é necessária a decisão de um juiz para que encarcerados no regime semiaberto tenham direito ao benefício.

Progressão de Pena

De acordo com o professor de criminologia da USP (Universidade de São Paulo) Mauricio Dieter, o objetivo da progressão de pena é a harmônica reintegração social do condenado, que prevê três regimes penitenciários possíveis para um sentenciado ao sistema prisional, sendo o fechado, seguido pelo semiaberto e aberto, partindo do considerado como mais grave ao mais brando respectivamente.

O membro da comissão de advocacia criminal da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) e advogado criminalista Glauter Del Nero explica que o regime fechado é aquele em que o indivíduo permanece totalmente encarcerado, no semiaberto o preso possui a oportunidade de estudar ou trabalhar fora da unidade penitenciária e o aberto exige que o condenado cumpra determinadas restrições.

Saída temporária

Glauter Del Nero esclarece que apenas presos que preenchem determinados requisitos, como estar cumprindo pena em regime semiaberto, possuir comportamento adequado, e não ter sido condenado por crime hediondo com resultado morte, possuem acesso à saída temporária, um mecanismo que existe para possibilitar o restabelecimento de vínculos e laços familiares de um indivíduo para facilitar a ressocialização. “A saída temporária está em harmonia com o sistema de progressão gradual de pena”, explica o advogado criminalista.

Para Mauricio Dieter, o Projeto de Lei é um retrocesso por ser contrário à ideia de progressão de pena da Constituição Federal. O especialista afirma que o benefício se justifica partindo do princípio de que os presos que possuem acesso à saída temporária já passaram pelo processo de chegada ao semiaberto e estão sendo preparados para a liberdade. “É uma volta a uma aposta de que mais encarceramento nos fará melhor”, declara o professor de criminologia.

O especialista afirma que, apesar do sentimento de raiva e indignação da população em relação ao assassinato do policial militar Roger Dias da Cunha ser totalmente justificável, as políticas públicas não podem se basear na emoção. “Hoje no mundo, os movimentos de encarceramento estão diminuindo. É proposto que as penitenciárias se pareçam cada vez mais com casas comunitárias que mantêm o máximo possível de autonomia ao preso”, conclui.

Segundo Glauter Del Nero, a afirmação de que encarcerados não retornam da saída temporária não é verdadeira, já que, em média, apenas 4,5% dos presos ficam foragidos após terem acesso ao direito. “Essa é uma política pública que possui pelo menos 95% de êxito no que ela se propõe a fazer, que é, permitir a reintegração ao convívio social de uma forma gradual e volte para continuar cumprindo a pena”, reitera.

Para o advogado criminalista, revogar a saída temporária vai de encontro com a individualização de pena, direito constitucional que garante uma análise única da sentença de cada preso. “Para além disso, há violação da própria dignidade da pessoa humana, mantendo essa pessoa encarcerada em condições que não são justas à sobrevivência”, conclui o membro da comissão de advocacia da OAB-SP.

Retroatividade da Lei

Uma lei não pode retroagir para prejudicar um indivíduo, ou seja, a legislação não poderia afetar quem já está cumprindo pena. Entretanto, de acordo com Mauricio Dieter, não é possível determinar se presos que já estão no sistema de progressão de regime perderão a saída temporária ou não, já que isso depende da interpretação da lei. “Se for enxergado como um benefício, ele pode ser retirado. Se for visto como um direito, não”, explica o professor de criminologia da USP.

Glauter Del Nero entende que a lei só poderia retirar o direito a presos que serão condenados a partir da aprovação da proposta. “Não posso no meio do jogo mudar as regras”, declara o advogado. Para o membro da comissão de advocacia da OAB-SP, outro ponto que deve ser analisado é se o encarcerado que está em regime fechado e passa ao semiaberto será afetado pela nova legislação, caso efetivada.

Exame Criminológico

O Projeto de Lei de Flávio Bolsonaro também inclui a necessidade de um exame criminológico para que um preso possa passar pela progressão de pena. Mauricio Dieter explica que o processo é conduzido por uma comissão interdisciplinar que inclui psicólogos e pretende avaliar a condição de um sujeito estar apto ou não a avançar de um regime para outro. Entretanto, para o especialista, tal comitê comete uma violação ética e técnica.

Segundo o professor de criminologia da USP, o exame criminológico representa um exercício de futurologia que é insustentável do ponto de vista científico, já que busca determinar se um indivíduo voltará ou não a cometer crimes. “A função do psicólogo dentro da prisão é aliviar o sofrimento do encarcerado, e não usar informações dele para eventualmente prejudicá-lo”, completa Mauricio Dieter, citando que tal medida também representa um grande retrocesso.

De acordo com Glauter Del Nero, apesar da avaliação parecer um processo útil, não há eficácia quando colocada em prática, já que muitas vezes ocorre a aplicação de questionamentos preconceituosos e impertinentes que dizem muito pouco sobre a aptidão do encarcerado, causando apenas estigmas. O advogado criminalista cita que o exame criminológico também vai de encontro com a individualização da pena, impondo a todos os casos a condução do procedimento, quando deveria se ater a algo específico.

O membro da comissão de advocacia criminal da OAB-SP acrescenta que ainda há a falta de estrutura para que a avaliação seja conduzida de forma rápida e eficiente, atrasando a progressão de regime e mantendo mais presos em um sistema carcerário já superlotado. “Hoje, já contemplado o que se pretende no exame criminológico, é necessário que um diretor da penitenciária em que o encarcerado está recluso ateste em um documento o comportamento adequado do detento”, conclui.

 

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