Publicado por: Marcelo José de Sá Diretor-Presidente e Editor-Geral do Site do Jornal Espaço
Levantamento do governo federal identificou municípios mais suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, enxurradas e inundações. Cerca de 8,9 milhões de brasileiros vivem nessas regiões. Vitória do Jari, no Amapá, sofreu a maior inundação dos seus 28 anos de história em 2022. Embora a população estivesse acostumada a conviver com o avanço do rio Jari em suas casas, prédios e ruas, o alagamento daquele ano surpreendeu. “Nunca tinha acontecido algo assim”, contou a secretária municipal de Meio Ambiente e Turismo, Marluce de Oliveira Nunes. De acordo com Nunes, 80% do município ficou debaixo de água.
Vitória do Jari é um dos 1.942 municípios mais suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, enxurradas e inundações, de acordo com um estudo do governo federal voltado para priorizar as ações em gestão de risco e desastres naturais. Lançado no fim do ano passado, o levantamento ganhou destaque após a crise no Rio Grande do Sul e depois de a ministra Marina Silva ter sugerido “decretar emergência climática” nessas cidades.
Localizado na divisa com o Pará, Vitória do Jari tem 11,2 mil habitantes e fica às margens do rio Jari, um afluente do Amazonas. E, se em 2022 a pequena cidade conviveu com uma inundação histórica, no ano seguinte sofreu com o outro extremo: a seca. “No final de junho começou a secar. Daí para frente foi estiagem e muito fogo”, contou Oliveira Nunes. Segundo a secretária, o município nunca tinha passado por uma situação dessas.
Mais eventos extremos
O governo brasileiro atualizou a lista de municípios com evidências de maior risco à ocorrência de desastres naturais relacionados ao clima no âmbito do Novo Programa de Aceleração do Crescimento. Coordenado pela Casa Civil, o levantamento contou com a participação de diversos ministérios.
O estudo atualizou os dados de 2012, que havia elencado 821 municípios. O salto para 1.941 é explicado por dois fatores, de acordo com a diretora substituta do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Regina Alvalá, que participou da pesquisa: a disponibilidade de novos dados e o aumento do número de eventos extremos.
Foram usados dados de séries históricas, como número de mortes e de desabrigados e desalojados, vulnerabilidade a inundações e quantidade de chuva. Como tem chovido mais e de forma mais intensa, mais municípios entraram na lista.
Um dos estudos que embasou a pesquisa é o número de pessoas vivendo em áreas mapeadas para o risco de deslizamentos, enxurradas e inundações, oriundo da Base Territorial Estatística de Áreas de Risco (BATER), de 2018. Vitória do Jari chama a atenção por ter mais cidadãos nestas áreas (13,1 mil) do que a população do Censo de 2022 (11,2 mil). A reportagem questionou a Casa Civil sobre a informação, mas não obteve resposta até a publicação do texto.
Se a análise focar nos municípios com o maior número de pessoas vivendo em área de risco, percebe-se que há 4,5 milhões de cidadãos em apenas 20 cidades, ou seja, mais da metade do total de 8,9 milhões. Salvador encabeça a lista, com cerca de 1,2 milhões, seguido por São Paulo (674 mil), Rio de Janeiro (444 mil), Belo Horizonte (389 mil) e Recife (206 mil). Logo depois vem Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, com 188 mil – primeira cidade na lista que não é uma capital.
O desafio da prevenção
Para Regina Alvalá, o desastre no Rio Grande do Sul é mais uma prova da necessidade urgente de mudar paradigmas em relação à prevenção. “Nós, pesquisadores e cientistas, estamos já há muito tempo dizendo que os eventos extremos irão ficar mais frequentes e mais intensos. Na década passada, conjugávamos o verbo no futuro. Agora nós já estamos dizendo ‘os eventos extremos estão mais frequentes e mais intensos’.”
De acordo com a diretora, o Brasil avançou bastante na capacidade de alertar sobre os riscos com antecedência, mas ainda falta uma gestão mais ampla de riscos e desastres. “As cidades precisam ter os planos de preparação, de prevenção e de contingência, fazer as obras estruturantes e trabalhar educação para percepção dos riscos de desastres. Todo o sistema precisa estar mais preparado para lidar com esses eventos.”
Um estudo do World Weather Attribution (WWA) feito por pesquisadores do Brasil, Reino Unido, Suécia, Holanda e Estados Unidos divulgado no início de junho – ainda sem a revisão dos pares – mostrou que as mudanças climáticas provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa dobraram a probabilidade de ocorrência das chuvas no Rio Grande do Sul.
A pesquisa também destacou que as previsões e alertas sobre as enchentes estavam disponíveis cerca de uma semana antes do evento. No entanto, as informações não alcançaram todos que vivem em risco e, muitos, não entenderam a gravidade dos impactos. Os pesquisadores destacaram o fato de os bombeiros precisarem convencer moradores a sair de suas casas.
Em razão da emergência climática e de suas consequências, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima elabora, em colaboração com outras áreas do governo, um Plano de Enfrentamento da Emergência Climática. “O objetivo é aperfeiçoar a gestão de risco de desastres e incluir medidas antecipatórias, alinhadas às políticas de proteção e defesa civil”, informou a pasta, por e-mail.
O plano, ainda segundo o MMA, será complementar ao Plano Clima, sem prazo para ficar pronto, e ao Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto para outubro. O estudo que identificou os 1.942 municípios mais suscetíveis ao risco de desastres está sendo usado em todos os planos.
“Para fortalecer a adaptação, o governo federal investirá também na melhoria da capacidade institucional de estados e municípios, com o apoio à elaboração de 260 planos locais de adaptação. Com início previsto para este ano, a iniciativa priorizará municípios considerados críticos para a formulação de políticas de adaptação”, prometeu o ministério.
Saúde e educação
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Harrysson Luiz da Silva, o Brasil está falhando em relação às políticas de prevenção. Ele lembra que a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil foi promulgada em 2012, porém o primeiro plano está sendo discutido só agora, em 2024. “Se 12 anos depois ainda estamos no plano, quanto tempo levará para que programas e projetos sejam definidos e colocados em ação?”, questionou.
O professor ressaltou também que há falta de orçamento. “Dessa descontinuidade das atividades, acaba por implicar a falta de orçamentos dedicados a programas que envolvam todo o ciclo de proteção e defesa civil, principalmente nas etapas de prevenção, mitigação e preparação. Os orçamentos não devem estar concentrados somente nas etapas de respostas e reconstrução em contextos de calamidades públicas.”
Em relação ao estudo que elencou os 1.942 municípios, o professor avaliou que as pastas da Saúde e Educação deveriam ter participado da sua elaboração. Segundo o especialista, a contribuição da Educação “para essa nota técnica poderia minimizar e até potencializar as ações de outros ministérios otimizando recursos públicos”.
Silva avalia ainda a importância de priorizar os impactos psicológicos. “Há a necessidade de uma força tarefa de profissionais das áreas da saúde para tratar dos danos extrapatrimoniais relativos aos impactos psicológicos individuais e coletivos. Os impactos jamais serão objeto de uma intervenção pública, e certamente promoverão psicopatologias decorrentes de desastres, distúrbios de natureza fisiológica que poderão ser desdobrados em sequelas de curto, médio e longo prazo. Essa é uma dívida que não será paga para toda a coletividade.”
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