quarta-feira - 04 - dezembro - 2024

Brasil / Artigo: Crise hídrica, “surpresa” secular

A cultura dominante do improviso e a crônica falta de planejamento no Brasil possibilitam que fatos recorrentes sejam tratados como inéditos, mesmo que se repitam com frequência. Um claro exemplo é a falta de água nas cidades brasileiras, que ocorre desde o período colonial.

Registros históricos indicam que seca entre os anos de 1580 a 1583 gerou severos prejuízos aos engenhos nordestinos de cana-de-açúcar e forçou o deslocamento para o sul de cerca de cinco mil índios em busca de comida.

No ano de 1861 as manchetes dos jornais cariocas tratavam de uma das maiores secas na cidade do Rio de Janeiro, que comprometeu significativamente o abastecimento público de água da cidade. O nosso atraso não é de hoje!

Poucos anos depois, em 1879, o escritor americano Herbert Smith relatou as mortes de meio milhão de pessoas no Ceará, causadas diretamente pela fome e pelas doenças que acompanharam a seca entre os anos de 1877-1879.

Publicidade

Continuação da Matéria

Em um país como o Brasil, cujas estações secas são tão bem definidas em nosso calendário, não há justificativa para surpresa com a falta de chuva. As crises hídricas fazem parte de nosso calendário histórico.

A ideia de vivermos em um país riquíssimo em água, porém, desconsidera que este precioso recurso está bem longe da maioria da população. Do total dos recursos hídricos do país, 70% estão na Amazônia, região com menos de 7% da população nacional; 15% no Centro-Oeste; 6% no Sul e Sudeste; e apenas 3% no Nordeste.

Ou seja, temos muita água onde temos pouca gente e muita gente onde temos pouca água.

As causas das crises hídricas são conhecidas e não se resumem às anomalias meteorológicas, mas também, a má gestão. É alta a taxa de desperdício, tanto na rede de distribuição quanto no uso. A infraestrutura de abastecimento é incapaz de atender o aumento da demanda, tudo agravado pelas questões ambientais, especialmente as relacionadas ao desmatamento e poluição.

Em relação ao desmatamento, há muito se conhece o papel fundamental que as árvores exercem para a manutenção da qualidade e da quantidade da água. A Floresta Amazônica, por meio da evapotranspiração, produz um grande volume de umidade, liberada para a atmosfera e, depois, transportada para outras localidades.

Publicidade

Continuação da Matéria

Esse ar úmido é a fonte das chuvas em boa parte do ano em várias regiões brasileiras. Preservar a Floresta Amazônica é também preservar as chuvas e a qualidade de vida nas regiões mais populosas do país.

O Cerrado, região conhecida como “berço das águas”, ocupa mais de 20% do território nacional sendo um dos principais pontos de expansão da agropecuária, que usa cerca de 70% da água consumida no país. Como consequência da ausência da vegetação nativa para proteger o solo já são notáveis a diminuição da vazão dos rios e a escassez de água para abastecimento urbano.

Portanto, por uma questão de sobrevivência, devemos todos nos preocupar e agir em relação aos índices recordes de desmatamento registrados nos últimos tempos.

Dom Pedro II nos ensinou, em 1861, a como cuidar das águas, reflorestando as encostas da cidade do Rio de Janeiro e implantando a Floresta da Tijuca. Naquela época já se percebia com clareza a importância das árvores para a conservação das águas. Porém, um século e meio depois, parece que não aprendemos a lição.

Emiliano Lobo de Godoi
Emiliano Lobo de Godoi
É Diretor Geral de Extensão e coordenador do Programa Sustentável da Universidade Federal de Goiás. Graduado em engenharia agronômica pela Universidade Federal de Viçosa (1988), com mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Goiás, estágio de pós-doutoramento em Licenciamento Ambiental pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa. É professor visitante da Universidade de Playa Ancha, Valparaíso, Chile e Universidade de Lisboa.
Fonte: Portal Capital Político
plugins premium WordPress