Funcionário da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS), Carlos Alberto da Rocha, conhecido como Carlinhos do Esporte, negou nesta segunda-feira (11) que tenha oferecido alimentos para uma paciente que arrancou os próprios dentes para que falasse bem da pasta. A afirmação ocorreu na Comissão Especial de Inquérito (CEI), na Câmara Municipal, que apura irregularidades na Saúde.
Carlinhos é servidor do Ministério da Saúde e está à disposição da SMS, onde está locado na assessoria de comunicação. Ele explicou que, após o caso de Celina ser divulgado na TV Anhanguera, a secretária Fátima Mrué o chamou para visitar a paciente, no dia 3 de dezembro, um domingo. Além dos dois, foram mais três pessoas à residência da mulher.
O funcionário explicou que ofereceu ajuda por conta própria e por se comover com a carência da dona de casa Celina Lopes Teixeira.
“Hora que terminou a conversa dela com a secretária, alguém da comissão perguntou qual a situação econômica dela. Ela disse que tem dia que não tem R$ 2 para comprar o pão e que estava passando necessidade, falei: ‘Isso não é da secretaria, é uma questão pessoal minha, eu vou ajudar a senhora porque faço esse trabalho voluntário há 30 anos. Vou trazer na sexta-feira alimentos que dá pra senhora ficar uns três meses’. Só foi isso e mais nada”, disse Carlinhos.
“Tenho consciência tranquila, quis ajudar na questão humanitária, faço há muitos anos com o maior carinho e amor do mundo”, completou o servidor.
A tal oferta a paciente começou a ser apurada depois da declaração da superintendente de Atenção de Redes da SMS, Luciana Curado, na audiência da última terça-feira (5). Na ocasião, a servidora afirmou que, durante conversa com a equipe da secretaria, Celina tinha o “hábito” de arrancar os dentes com alicates há dez anos.
Em consequência do depoimento da servidora, Celina foi chamada para depor na quarta-feira (6). Na sessão, a dona de casa explicou que recebeu a oferta do funcionário da SMS. Ela disse ainda que havia aceitado a ajuda e, inicialmente, não havia entendido como um suborno. Assim, após o esclarecimento, a paciente disse que nem queria mais o auxílio.
Carlinhos explicou que, apesar de ter prometido doações, não levou os alimentos a Celina. Questionado pelos parlamentares se foi retaliação, ele negou.
“Não foi retaliação pelo que ela disse, mas por orientação da minha família e da secretaria porque ela disse que nem queria ajuda também. Continuo tendo dó dela”, afirmou.
O funcionário disse ainda que parte da conversa da secretária com Celina foi gravada. Ele alegou que a secretária pediu para que ele gravasse na frente da paciente.
O vereador Eduardo Prado (PV), que integra a CEI, informou que se a mulher não autorizou a gravação, se trata de um crime. “O fato de gravar incursa crime, ela pode entrar com processo por danos morais também. É gravíssimo gravar clandestinamente a pessoa, é ilícito”, alertou.
Falta de atendimento
O caso da Celina foi um dos problemas de atendimento odontológico da rede pública da capital mostrados por uma série de reportagens do Jornal Anhanguera 1ª Edição, da TV Anhanguera. A apuração apontou ainda que 370 dentistas concursados recebem salários entre R$ 4 e R$ 10 mil, mas não conseguem atender porque estão sem receber materiais há cerca de um ano.
Após a exposição do caso, a Comissão Especial de Inquérito convocou funcionárias da prefeitura para falar sobre os problemas. Os parlamentares também solicitaram à Polícia Civil a abertura de um inquérito, pois denunciam que a Prefeitura de Goiânia foi omissa e negligente.
Durante seu depoimento à CEI, Celina afirmou que arranca os próprios dentes há anos porque não consegue atendimento na rede pública. Neste ano, como sentia muita dor e, mais uma vez, não era atendida, ela usou um alicate para extrair o órgão.
“Não sou insana ou masoquista, arranquei os dentes porque estava em desespero, com dor. Eu fiquei muito decepcionada com essa informação porque ela sabe muito bem a luta que eu passei em busca de um tratamento para que não perdesse o dente dessa forma”, rebateu Celina.
A dona de casa afirmou ainda que, após a repercussão do caso, ela recebeu um encaminhamento para ser atendida em uma unidade de saúde do Setor Novo Horizonte, na região sudoeste da capital, e já passou pelo primeiro atendimento .
Na última terça-feira, além da superintendente, a gerente de Saúde Bucal de Goiânia, Ana Paula Nomelini, também prestou depoimento à CEI. Aos vereadores, ela disse que 77 das 87 unidades não estão fazendo procedimentos odontológicos em Goiânia porque não há anestésico.
“Foram 37.644 atendimentos neste ano na rede. A gente sofre, tentei medidas, peguei materiais emprestados. Estou fazendo o que posso, tentando comprar. Não estou parada, sendo omissa”, disse.
Ana Paula garantiu que os produtos já foram solicitados. Eles devem ser entregues em, no máximo, 30 dias. Relator da CEI da Saúde, o vereador Elias Vaz (PSB) avalia que o depoimento reforça a falta de planejamento para a aquisição de insumos e inexpressividade dos atendimentos.
“O dado que a gerente coloca, de 37 mil atendimentos para 370 dentistas, dá menos de meio atendimento por dia para cada profissional. Há incoerência, irresponsabilidade do poder público com uma questão tão séria”, afirma.
Fonte: G1 Goiás