Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) apresentado por Jair Bolsonaro que altera regras de aposentadoria e visa economizar R$ 1 trilhão com Previdência Social. Nessa fase do processo, deputados verificam se algum princípio constitucional é ferido pela PEC; o mérito da questão e modificações ao texto ainda não devem ser debatidos. Caso aprovada, a proposta seguirá para votação em plenário e então para o Senado.
Embora os pontos específicos estejam passíveis de mudança, o cerne do projeto dificilmente será modificado. Substituir o modo de distribuição previdenciária de repartição – ou seja, todos contribuem para um fundo comum – para capitalização – onde cada um tem sua previdência individual. Ainda não é claro, entretanto, como ficarão trabalhadores informais e vítimas de acidentes de trabalho. Modelos que misturam poupanças individuais e seguros, como o do Chile, são frequentemente apontados como modelo de sucesso e de fracasso.
Tramitação
A sessão de votação da reforma da Previdência pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi adiada na quarta-feira, 17, após confusão. Deputados de oposição e do chamado centrão cobraram modificações na PEC, além da presença do relator (que registrou presença na Câmara mas esteve ausente da comissão). A votação do parecer do relator Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG) deverá acontecer na próxima terça-feira, 23.
Embora alterações ao texto possam ser feitas somente por comissão especial – ainda a ser instaurada por Rodrigo Maia (DEM) no dia 7 de maio – a pressão parece ter dado resultados. Rogério Marinho, secretário especial de Previdência, afirmou ainda na quarta-feira que negocia mudanças na proposta. O relator Freitas, cujo parecer era pela aprovação integral do texto, o presidente da Comissão, Felipe Francischini (PSL/PR), e demais integrantes da base governista terminaram a sessão visivelmente contrariados.
O ministro da economia, Paulo Guedes, atribuiu a pequena derrota à inexperiência dos deputados aliados ao governo. “Esses parlamentares têm relativamente menos tempo no legislativo do que oposicionistas e parecem cair em práticas regimentais que, se não mudam o jogo, conseguem caracterizar a base como difusa”, disse Guedes à imprensa.
Dois dias antes, na segunda-feira, a CCJ aprovou um requerimento para inverter a pauta do dia e adiantar a discussão do orçamento impositivo em detrimento da reforma da Previdência. Tal aprovação foi conseguida com votos do próprio PSL, que aderiu à inversão para pertencer ao grupo vencedor (com 50 votos) e não ao dos derrotados (cinco votos). Mas a tentativa do líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, de capitalizar a votação do orçamento impositivo como uma vitória do governo Bolsonaro foi apontada por deputados da oposição.
A bancada goiana
Apesar das dificuldades que o governo vem apresentado para fazer a reforma tramitar, a maioria dos deputados não se declara abertamente contrária à emenda. Segundo a empresa Atlas Político, que monitora diariamente posicionamentos na Câmara, atualmente 98 deputados são a favor da reforma, 105 são parcialmente a favor, 169 estão indecisos e 141 são contrários. Apenas quatro dos dezessete parlamentares que representam Goiás são contra a reforma: Elias Vaz (PSB), Flávia Morais (PDT), José Nelto (PODE) e Rubens Otoni (PT).
“Sou contrário porque, na prática, a reforma quer acabar com aposentadoria pública e abrir caminho para a venda dos planos de aposentadoria privada”, afirmou Rubens Otoni ao Jornal Opção. “O Governo fala em acabar com privilégios mas mexe nos direitos da professora, da trabalhadora rural, do idoso carente e da viúva”, disse o deputado, em referência aos cinco anos de aumento no tempo de contribuição nas classes citadas, na redução à R$ 400 de benefícios assistenciais e redução de 40% nas pensões por morte.
“Se fosse para acabar com privilégios, tinha de começar pelos políticos, Judiciário e Forças Armadas. A alternativa para acabar com o déficit da previdência seria cobrar dos grandes devedores, fechar o ralo da sonegação, acabar com as isenções e tributar as grandes fortunas”, completou o petista. Rubens Otoni é membro da CCJ, ao lado de Delegado Waldir, Francisco Júnior (PSD), João Campos (PRB) e Lucas Vergílio (SOL).
Em transição
Nove dos deputados federais goianos atualmente se definem como parcialmente a favor e explicaram o que impede seu total apoio.
Célio Silveira (PSDB) disse que votaria favoravelmente caso houvesse mudanças no trecho que versa sobre aposentadoria rural, que aumentou a idade e o tempo de atividade em cinco anos. Já Adriano do Baldy (PP) é favorável, mas afirmou crer que o texto “como está não passa” por conta das questões de aposentadoria rural e redução do auxílio BPC.
João Campos (PRB) é adepto à reforma em geral, mas votará contrário caso não haja modificações nas regras para profissionais da segurança pública. Como ele, Francisco Júnior (PSD), que também faz parte da CCJ, criticou o trecho que toca os professores, mas votará positivamente por entender a necessidade da reforma. Segundo Francisco Júnior, “o paciente está doente, mas é preciso acertar na dose do remédio.”
O que pensam empresários e trabalhadores
Entre os trabalhadores e os empresários, as opiniões são divergentes. Marcelo Baiocchi, presidente da Federação do Comércio do Estado de Goiás, diz que a necessidade da reforma é indiscutível, ainda que admita que alguns pontos possam ser debatidos. “A reforma economizará mais de R$ 1 trilhão e muitos recursos serão liberados para investimento, tanto internos quanto internacionais”, afirma.
Segundo Baiocchi, os brasileiros se alarmam com o discurso de quem é contra e não sabem o que a reforma trará de benefício. “São 13 milhões de desempregados, qualquer cidadão deveria ser a favor de proteger os que ganham menos e fazer com que os que têm as maiores aposentadorias venham para o teto”, diz.
Rubens José Fileti, vice-presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás, disse que a primeira necessidade é garantir manutenção de emprego e criação de novos postos de trabalho. Segundo ele, as empresas precisam de garantias jurídicas de que haverá estabilidade. “Recebemos demanda de empresas de fora e elas dependem de certezas. Saber que podem trazer seus negócios para o Brasil e fazer o investimento em um país saudável”.
Roberto Elias de Lima Fernandes, presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás, admitiu que pode haver alterações, mas o texto não deve ser ferido de morte. “O País está quebrado. Sem a reforma, não vamos reduzir o desemprego e vai faltar dinheiro, inclusive, para pagar aposentados”. Lima Fernandes julga que o essencial na reforma é o combate aos privilégios e aposentadorias acima do teto do INSS, especialmente de representantes do poder público.
Sindicatos
Paulo Sérgio Alves de Araújo, presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Goiás, afirmou que a reforma é necessária, mas deve ser realizada com mais diálogo. O sindicalista questiona por que não é cobrada a Previdência de grandes empresários e por que políticos e membros do Judiciário foram excluídos da reforma previdenciária.
O policial civil destaca que sua atividade é de risco e por isso requer tratamento diferenciado. “É a profissão mais estressante do mundo, não temos direito a greve ou a adicional noturno. Temos de trabalhar sem hora extra. Por isso, excedemos o equivalente aos 30 anos de contribuição que atualmente precisamos. No mundo todo é reconhecida como uma profissão diferenciada e é tratada de forma diferenciada.”
Raílton Nascimento Souza, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás, afirmou que a mudança do modelo de repartição para capitalização desresponsabiliza o Estado e o patronato e pesa sobre o trabalhador, que adquire mais uma responsabilidade. Além disso, lembra que muitas professoras começam a atuar aos 20 anos de idade e, portanto, terão de contribuir por 40 anos para adquirir direito à aposentadoria integral, ao invés dos 25 atualmente exigidos.
Leocides José de Souza, secretário de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás, expressou preocupação com o fato de que atualmente a Previdência tem dupla contribuição – servidor e patronal – e passará a ter contribuição apenas por parte do funcionário. “O que tem de ser feito é a abertura do diálogo por parte do Governo Federal e não a entrega de uma solução a toque de caixa como está sendo feito.”
Sergio Luiz da Costa, presidente do Sindicato dos Bancários do Estado de Goiás afirmou que não é contra a reforma, apenas contra a forma como foi apresentada. “Há o risco da retirada de proteção social e da solidariedade da Previdência. Não dá para concordar com contribuir 20 anos e receber 60% do salário.”
Alair Luiz dos Santos, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar do Estado de Goiás, afirmou que todos os sindicatos rurais do Brasil são contra, pois a retirada das políticas de Previdência Social de dentro da Constituição Federal é inconstitucional. “Se for necessário, que cobrem do agronegócio, bancos, devedores. Agora, angariar recursos dos trabalhadores rurais, forçando-os a contribuir mais 20 anos, é desumano.”
Fonte: Jornal Opção