segunda-feira - 07 - julho - 2025

Estados / Acre / Polícia/ Denúncia: Professor acusa universidade de racismo e perseguição institucional; entenda o caso

Publicado por: Marcelo José de Sá Diretor-Presidente e Editor-Geral do Site do Jornal Espaço

UFAC

Foto: Divulgação/UFAC

UFAC Universidade Federal do Acre

 

A Universidade Federal do Acre (UFAC) está no centro de um processo de denúncia feito pelo professor Cristovão Henrique Ribeiro da Silva, que acusa a entidade de perseguição institucional. Docente do curso de Geografia, ele conta que as ocorrências originaram de uma descontextualização dos áudios de suas aulas, desencadeando ações desproporcionais e de cunho preconceituoso por parte dos estudantes e da faculdade.

Por meio de uma carta-denúncia enviada, Cristovão relatou o caso em detalhes, alegando que os desconfortos teriam ocorrido em processos administrativos, reuniões e manifestações em redes sociais ou grupos de mensagens.

A Universidade Federal do Acre nega qualquer acusação de racismo ou perseguição institucional. Em nota enviada, a instituição afirma que o processo administrativo aberto contra o docente foi instaurado em resposta a uma denúncia formal apresentada por alunos, o que configura o procedimento padrão para situações desse cunho.

Prof. Dr. Cristovão Henrique Ribeiro da Silva é um geógrafo, pesquisador e internacionalista natural do Mato Grosso do Sul. Ele se identifica como um homem negro e gay, e começou sua trajetória na UFAC no ano de 2019. Segundo ele, a expectativa era que a experiência na universidade fosse de aprendizado, troca de ideias e crescimento profissional.

Início do caso

Todo o caso teria iniciado em agosto de 2023, duas semanas após o professor solicitar aos alunos que realizassem uma leitura de oito páginas. Quando Cristovão notou que nenhum dos discentes havia cumprido a tarefa, os repreendeu de maneira intensa e direta, algo que o educador alega fazer parte de sua didática descontraída.

A partir desse ponto, estudantes passaram a gravar, segundo Cristovão, sem sua permissão, áudios das aulas do geógrafo. Os registros teriam sido cortados e retirados de contexto, enfatizando passagens em que o professor se expressa de forma descomedida.

Em uma das gravações, que ganhou destaque particular, o educador teria dito que Geografia era um “curso de gente pobre”. A fim de esclarecer a situação e tentar provar o argumento de que as passagens seriam manipuladas, Cristovão disponibilizou o restante da fala.

“Se vocês não conseguirem entender a geografia do pé de vocês, vocês não vão conseguir ser professor de geografia, cara. Não dá pra ser assim”, expressa ele no áudio.

Em outros momentos, o educador profere palavrões e emprega um linguajar imoderado. Ele diz que a displicência dos alunos é “vagabundagem” e alega que eles “ficaram burros”. Nos demais áudios, segue com uma abordagem “desbocada”, sempre em represália contra a falta de comprometimento acadêmico dos alunos.

De acordo com o denunciante, a manipulação dos trechos foi feita a fim de construir o estereótipo racista do “negro agressivo”, rotulando-o como um homem exageradamente descontrolado e perigoso.

Um dos principais argumentos empregados pelo prof. Cristovão diz respeito à criação do arquétipo conhecido como “negro agressivo” ou “negro perigoso”. Na visão do docente, as reações a sua conduta foram expressadas de forma desproporcional, com a utilização de justificativas racistas para destilar ataques sobre sua moral.

O estereótipo alegado pelo geógrafo é discutido no campo dos estudos antirracistas, que buscam identificar os rótulos discriminatórios que acompanham a imagem de pessoas negras.

O “negro violento” seria, assim, uma maneira preconceituosa de avaliar homens pretos como propícios a posturas agressivas, brutas e virulentas. Um estudo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte explica a construção dessa figura:

“A sociedade brasileira, marcada pelo racismo estrutural, impõe estereótipos ao povo negro e reduz, muitas vezes, cada pessoa a esses traços milenares. Um deles recai especificamente sobre o homem negro e o marca como alguém violento que deve ser temido, lendo seu corpo como uma espécie de arma”.

Acusação de retaliação

Após os acontecimentos, um processo administrativo interno (23107.024175/2023-14) foi oficializado e mandado para Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do Acre, a tratar da ofensa e falta de tratamento urbano de Cristovão para com os acadêmicos da instituição.

As informações do caso foram, assim, largamente compartilhadas e fragmentadas via aplicativos de mensagens, alcançando alunos e professores. Os materiais ficaram em domínio público por 22 horas e 29 minutos, o que poderia caracterizar uma infração ao sigilo de processos administrativos.

A decisão da instituição foi determinar o afastamento imediato de Cristovão, sob a alegação de que essa seria uma medida de segurança. A defesa do professor aponta uma incongruência na agilidade da tramitação do processo, já que a deliberação foi feita em um tempo significativamente menor do que o padrão.

“A análise interna revelou que 63 processos tramitados sob minha responsabilidade na UFAC levaram, em média, 16 dias para respostas de órgãos competentes. No entanto, o meu afastamento, que resultou em uma sanção desproporcional, foi decidido em menos de 24 horas”, explica ele na carta-denúncia.

Após a “resolução”, Cristovão tentou realocação em um outro órgão federal, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), porém, mesmo após aprovação no processo seletivo, ele foi impedido de ingressar. Segundo a carta, a UFAC negou a migração do professor para a nova entidade, alegando que ele seria “essencial” para o curso acadêmico.

“A contradição é flagrante: enquanto minha presença foi considerada essencial para o curso de Geografia, servindo como justificativa para negar minha mobilidade ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), a administração da UFAC, por outro lado, não hesitou em aplicar uma suspensão arbitrária de 54 dias sem remuneração”, afirma Cristovão.

A acusação do professor é de que trâmites administrativos foram intencionalmente usados pela instituição para prejudicá-lo. A inclusão de setores como a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) no curso do caso seria um exemplo da extrapolação de funções e tentativa de amplificar pressões contra o professor, já que os órgãos citados não possuem competência legal sobre o ocorrido e a decisão deveria ser restrita à Pró-Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (PRODGEP).

Além disso, ele expõe que foi alvo de comentários preconceituosos e ataques de ódio, especialmente de alunos – devido ao episódio. Isso configuraria, segundo a denúncia, um cenário de racismo institucional.

Retomada do caso

Durante o segundo semestre de 2024, o caso referente ao comportamento de Cristovão foi retomado. No dia 11 de outubro, o acontecido foi noticiado pela imprensa local do Acre, veiculando as gravações recortadas.

A situação desencadeou, segundo o acusante, uma enxurrada de ataques racistas, depreciativos e homofóbicos. Pelo levantamento apresentado no documento de denúncia, a cobertura somou mais de 420.000 acessos nas redes sociais. Os comentários incluem passagens como “tinha que ser preto” e “deveria perder o emprego”, além de diversos tipos de incitações à violência física.

A análise apresentada por Cristovão relativa aos perfis que destilaram ataques apontam que 88% deles estariam vinculados, direta ou indiretamente, à comunidade da UFAC, com indícios de coordenação nos horários de postagens e reutilização de dispositivos, uma vez que algumas contas teriam o mesmo número IMEI.

O que diz a UFAC

A responsável pela argumentação do caso é a Reitora Guida Aquino. Ela aplicou a sanção que decidiu pela suspensão de Cristovão por 54 dias sem remuneração.

A Reitora Guida fundamenta a resolução em supostas infrações aos incisos IX e XI do art. 116 e inciso V do art. 117 da Lei nº 8.112/90. São eles:

  • IX – Manter conduta compatível com a moralidade administrativa
  • X – Tratar com urbanidade as pessoas
  • V – É vedado ao servidor promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição.

Em nota enviada, a Universidade Federal do Acre afirma que o processo administrativo mencionado foi instaurado em resposta a uma denúncia formal apresentada por alunos, o que configura o procedimento padrão para situações desse cunho. O texto nega qualquer acusação de racismo ou perseguição institucional.

“A instituição reitera seu compromisso com a transparência, a imparcialidade e o rigor no cumprimento dos ritos administrativos”, escreveu.

A fundação garantiu que todos os investigados têm direito à ampla defesa e ao contraditório. A fim de assegurar isso, a UFAC forma uma comissão específica para averiguar os fatos, ouvir as partes envolvidas e elaborar um relatório conclusivo ao final do PAD, segundo Cristovão, a reitoria não teria acatado a recomendação do relatório final da comissão mencionada.

Ademais, a entidade diz que há uma responsabilidade institucional em atender a totalidade de denúncias e queixas encaminhadas, sendo os canais oficiais de ouvidoria essenciais para certificar a transparência e a integridade das ações.

“Por fim, a Ufac refuta de maneira categórica qualquer alegação de perseguição institucional. Todas as ações da universidade são pautadas pela ética, pela legalidade e pelo respeito aos princípios que regem a administração pública”, enfatizou a universidade.

 

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