Em outubro de 2016, no governo de Michel Temer (MDB), a Petrobras passou a calcular o preço dos combustíveis com base no mercado internacional e a repassar variações com maior frequência aos consumidores. Cinco anos depois, os combustíveis no Brasil acumulam alta real (acima da inflação) de mais de 30%, enquanto a empresa reverteu anos de prejuízo em uma sequência de lucros que são distribuídos aos seus acionistas —dentre eles o governo federal.
Embora tenha passado por alguns ajustes e intervenções pontuais, o chamado PPI (preço de paridade de importação) segue firme.
Críticos da paridade internacional alegam que ela aumenta o lucro dos acionistas às custas do consumidor, que no fim paga pela alta do dólar e do petróleo. Defensores do PPI afirmam que essa é a melhor maneira de atrair investimentos, garantir o abastecimento e estimular a concorrência.
Neste domingo (24), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que não haverá intervenção nos preços. Em entrevista ao UOL, o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, defendeu a oparicidade internacional e disse que o “tabelamento de preços sempre trouxe as piores consequências”.
Preço dos combustíveis disparou
Em outubro de 2016, com valores corrigidos pela inflação (IPCA), o botijão de 13kg de gás de cozinha custava em média R$ 69,21 no Brasil. O litro da gasolina era vendido a R$ 4,58 e o do diesel a R$ 3,76.
Na semana passada, a média de revenda do botijão foi para R$ 101,96 (subiu 47% em cinco anos), o litro da gasolina alcançou R$ 6,36 (alta de 39%) e o do diesel R$ 4,98 (alta de 32%).
A disparada no preço dos combustíveis é um dos fatores que mais pesam na inflação, que já passou de 10% nos últimos 12 meses.
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Dólar e cotação do petróleo afetaram os preços
No PPI, a Petrobras leva em conta quanto ela poderia lucrar vendendo esses produtos no mercado internacional. Por isso o dólar e a cotação do petróleo influenciam diretamente no preço aqui no Brasil.
Nesses cinco anos, o dólar acumulou alta de 74%, e o preço de referência para o barril de petróleo (Brent), que é negociado em dólar, subiu 62%.
Custos como frete marítimo, taxas portuárias e transporte rodoviário também são considerados no PPI.
No domingo, o presidente Bolsonaro mencionou a cotação internacional para justificar novas altas. “Temos aí, pelo que tudo indica, reajuste dos combustíveis. Isso não precisa ter bola de cristal nem informações privilegiadas, que eu não tenho. É só ver o preço do barril do petróleo lá fora e o comportamento do dólar aqui dentro”, disse.
Lucro recorde para a Petrobras
A Petrobras é uma empresa de economia mista: tem ações negociadas na Bolsa, mas o controle majoritário das ações com direito a voto fica com o governo federal, que dita os rumos da empresa.
Antes do PPI, o governo de Dilma Rousseff (PT) optava por represar aumentos no preço dos combustíveis. A estratégia segurava a inflação, mas reduzia os lucros da estatal.
Em 2016, a Petrobras chegou a registrar prejuízo líquido de R$ 18,5 bilhões em valores atualizados. No ano seguinte, com a paridade internacional, o prejuízo caiu para R$ 539 milhões.
Desde então, com o dólar e o petróleo em alta, a empresa vem registrando lucros. Foram R$ 30 bilhões em 2018 e R$ 44,8 bilhões em 2019 —o recorde da Petrobras.
A crise econômica da pandemia fez a demanda por combustíveis e a cotação do petróleo despencarem no primeiro semestre de 2020. Mesmo assim, a empresa terminou o ano com lucro líquido de R$ 7,6 bilhões.
Os números de 2021 indicam que a Petrobras caminha para bater novo recorde anual. A empresa anunciou lucro de R$ 42,9 bilhões no segundo trimestre e a intenção de antecipar R$ 31,6 bilhões em dividendos para seus acionistas.
O UOL pediu à Petrobras detalhes sobre o cálculo da margem de lucros, mas a empresa não respondeu a esse questionamento.
Governo se beneficia dos lucros
Como o governo é acionista, ele recebe dividendos.
A Petrobras voltou a pagar dividendos em 2018. Dos R$ 31,2 bilhões distribuídos até 2020 (valores atualizados pelo IPCA), R$ 11,1 bilhões (36%) foram para os cofres públicos.
Os outros R$ 20,1 bilhões foram distribuídos para pessoas e empresas do setor privado que têm ações da estatal.
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Intervenções fizeram ações despencar
As intervenções do governo nos preços da Petrobras não foram exclusividade de Dilma Rousseff.
Em maio de 2018, durante a greve dos caminhoneiros, Temer anunciou a redução do litro do diesel em R$ 0,46 e congelamento do valor por 60 dias.
Em abril de 2019, Bolsonaro mandou a Petrobras cancelar um aumento de 5,7% no diesel. Em fevereiro de 2021, Bolsonaro anunciou que não renovaria o mandato do então presidente da empresa, Roberto Castello Branco, por estar insatisfeito com a política da empresa.
Em todas essas ocasiões, o valor da ação da estatal na Bolsa teve forte queda.
Paridade internacional é bom para poucos, dizem críticos
O PPI é criticado por políticos de esquerda e sindicatos ligados aos trabalhadores da Petrobras. Eles consideram que a paridade internacional serve para garantir lucros dos acionistas, mas despreza a função social da empresa: abastecer a população a preços justos.
Esses reajustes que a gestão da Petrobras, com o aval e a concordância de Jair Bolsonaro, vem aplicando no gás de cozinha, no diesel e na gasolina podem ser evitados. Basta a empresa parar de usar somente a cotação do petróleo e do dólar e os custos de importação e considerar também os custos nacionais de produção. Afinal, a empresa utiliza majoritariamente petróleo nacional que ela mesma produz.
Deyvid Bacelar, coordenador geral da FUP (Federação Única dos Petroleiros)
A política de preços também incomoda donos de postos de combustíveis. Rodrigo Zingales, diretor da AbriLivre (uma das associações do setor), diz que a estatal tem uma margem de lucro elevada, o que permitiu que ela lucrasse até em 2020, quando a demanda por combustíveis despencou.
Zignales afirma que o médio e pequeno empresário não conseguem se planejar porque a Petrobras altera os preços a qualquer momento. Segundo ele, essa política tem aumentado a concentração de mercado na mão de grandes redes de distribuição e varejo, o que favorece a combinação de preços.
O UOL tentou contato com o Sindicom, que representa as maiores distribuidoras de combustível do país, mas não obteve resposta.
A Petrobras declarou que evita o repasse imediato para o mercado interno e que “os preços praticados pela companhia acompanham as variações do valor dos produtos e da taxa de câmbio, para cima e para baixo”.
Paridade internacional é a melhor escolha, dizem especialistas
Fernanda Delgado, doutora em planejamento energético e professora da FGV, afirma que atrelar os preços ao mercado internacional é a única forma de atrair investimentos e estimular a concorrência interna.
Para Sérgio Lazzarini, doutor em administração e professor do Insper, revogar o PPI seria um retrocesso e traria prejuízo ao consumidor a longo prazo. “É um paradoxo: quanto mais se intervém nos preços, menos investimento vem, e isso agrava o problema de concentração da Petrobras”, diz.
Existem no Congresso propostas para usar parte dos dividendos da Petrobras ou royalties de petróleo para formar um fundo que amenize a flutuação de preços. Parlamentares também discutem subsidiar combustível para a população de baixa renda, como o projeto de vale-gás aprovado no Senado.
Delgado e Lazzarini afirmam que propostas nesse sentido dependem de uma escolha política e precisam ser calibradas com cuidado, pois elas trazem custos que serão repassados à população direta ou indiretamente.
Risco de desabastecimento
Os especialistas dizem também que, sem o PPI, o Brasil pode enfrentar desabastecimento, já que o país não tem capacidade de produzir todo o combustível que consome.
A Petrobras afirma que cerca de 20% dos combustíveis consumidos no Brasil são produzidos por outras empresas, dentro e fora do país.
Preços desalinhados ao valor de mercado não só comprometem a capacidade de investimento da indústria, o que pode levar à obsolescência e ao desabastecimento, como inviabilizam que importadores e outros refinadores atendam o mercado brasileiro.
Petrobras, em nota
Para os importadores de combustíveis, os preços da Petrobras estão até baixos. A Abicom, associação que representa o setor, diz que há uma defasagem de 17% no diesel e de 14% na gasolina. Isso afeta os ganhos dos importadores, dizem.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Fonte: UOL