Estado teve mais mortes do que nascimentos em março, pela primeira vez em 18 anosAndré Ávila / Agencia RBS
Estado apresenta a oitava maior mortalidade do país e lidera a vacinação nacionalmente, mas ritmo pode ser insuficiente para conter nova onda
O Rio Grande do Sul ultrapassou, neste sábado (1º), Dia do Trabalhador, a marca de 25 mil vítimas do Corona Vírus. São 25.086 mortes, de acordo com estatísticas da Secretaria de Estado da Saúde (SES). Um equivalente à população de Jaguarão, na Região Sul, ou como se 2,5 vezes o número de moradores do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, perdesse a vida durante a pandemia.
A marca foi atingida um mês após o Estado chegar aos 20 mil óbitos pela covid-19 e menos de dois meses após as 10 mil mortes – indicativo de como a pandemia se mantém, em território gaúcho, em ritmo acelerado de novas infecções e mortes.
Das 25 mil vidas perdidas, quase 16 mil se foram apenas de janeiro de 2021 para cá, quando já existiam vacinas disponíveis contra a covid-19 no mercado – e mais de 4 mil faleceram fora de uma unidade de tratamento intensivo (UTI). Março, mês mais letal da pandemia, registrou, pela primeira vez na história recente, mais mortes do que nascimentos, como mostrou o portal gaúcho GZH.
O Estado chega às 25 mil vítimas em meio às mudanças no sistema de distanciamento controlado promovidas pelo governo Eduardo Leite (PSDB) – uma mudança generalizada no Rio Grande do Sul, que passou da bandeira preta para a bandeira vermelha, com retorno das aulas presenciais e perspectiva de menos restrições às atividades.
Após figurar entre os Estados com menor mortalidade por Corona Vírus a cada 100 mil habitantes, resultado do distanciamento social mantido pela sociedade entre março e maio de 2020, os números do Rio Grande do Sul degringolaram a partir de novembro. Hoje, o Estado apresenta a oitava maior mortalidade do país – a mais alta da Região Sul.
As razões para a piora, destacadas por analistas, são a retomada das atividades nos meses anteriores à bandeira preta, o cansaço da população e o avanço da cepa P.1, originária em Manaus.
— A piora pode ter relação com novas variantes, mas, independente disso, a forma como as pessoas não se protegem e se aglomeram também. Quando o apelo é mais forte e a saúde está colapsada, a mobilidade reduz. Fora isso, é difícil. O impacto no psicológico das pessoas de uma catástrofe aguda é muito maior do que de uma catástrofe crônica. Em um dia, morreu no Brasil o equivalente à tragédia de um Word Trade Center — reflete o médico Eduardo Sprinz, chefe do serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). — É preciso ver onde as pessoas se aglomeram, se há alguém positivo e ir atrás de quem entrou em contato. Isso ajudaria no controle da infecção. Mas não fizemos desde o início o dever de casa de ir atrás dos contatos e colocá-los em quarentena — acrescenta.
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As nove semanas consecutivas de bandeira preta trouxeram ao Rio Grande do Sul uma melhora nos indicadores, mas a estabilização aconteceu em alto nível: a soma de pacientes confirmados e suspeitos para coronavírus em leitos clínicos e de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) é o dobro do registrado antes do terceiro pico da epidemia no Rio Grande do Sul, de acordo com estatísticas do Comitê de Dados do Palácio Piratini.
O Estado voltou a ter leitos de UTI livres, a ocupação geral é de 84,4% e não há mais macrorregiões com lotação acima de 100% – mas, regionalmente, ainda há cenários de risco.
Em Porto Alegre, por exemplo, o uso de leitos intensivos está em 91,1%, sendo que quatro hospitais estão lotados ou superlotados neste dia 1º de maio: Moinhos de Vento, Ernesto Dornelles, Restinga e Santa Ana.
A média móvel de mortes ao longo da última semana está ao redor das cem vítimas diárias, cerca de 60% abaixo do pior momento, em 20 de março, enquanto que a média de novas infecções está por volta das 10 mil por dia, ou 80% menos do que no ápice, em 1º de março – os dados dos últimos dias costumam ser atualizados com a inclusão de novas estatísticas, após o resultado dos exames.
— A gente vê uma queda das hospitalizações em leitos clínicos e de UTI, o que é uma coisa boa, junto com aumento de leitos livres. Ao mesmo tempo, há uma grande demanda de pacientes não covid, que estavam em espera por atendimento. O comportamento da sociedade face à bandeira preta melhorou, mas, por outro lado, a velocidade da queda diminuiu e estamos em patamares muito altos. Os números de internação estão ainda muito acima do pior momento de 2020, apesar da queda — reflete a médica epidemiologista Lucia Pellanda, professora na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini.
Das 25 mil vítimas do coronavírus, 27% têm entre 70 e 79 anos, 24,7% têm entre 60 e 69 anos, 23,3% têm mais de 90 anos. Mas, nas últimas semanas, a proporção de jovens vem aumentando e a de idosos, caindo, o que analistas acreditam ser resultado da vacinação e avanço da cepa P.1.
Com uma população de 11,4 milhões de habitantes, o Rio Grande do Sul tem 2,2 milhões de vacinados ao menos com a primeira dose. Cerca de 68% das aplicações são de CoronaVac e 32%, da vacina de Oxford.
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Em termos proporcionais, o Rio Grande do Sul vacinou 19,8% da população, percentual que o coloca na liderança nacional da campanha de imunização – em segundo lugar, Mato Grosso do Sul vacinou 17,7% dos habitantes.
Dentre os motivos apontados para o bom desempenho, estão a experiência há anos do Rio Grande do Sul com a gigantesca campanha de vacinação da gripe, que mobiliza o Estado todos os anos em um inverno rigoroso, e a decisão da Secretaria de Estado da Saúde (SES), tomada ao lado de secretários municipais da Saúde do Rio Grande do Sul, de usar as vacinas disponíveis para a primeira dose, sem fazer a reserva de aplicação.
No entanto, ainda há um longo caminho para o Estado ver sua população protegida: 8% dos gaúchos receberam a segunda dose, sendo que a CoronaVac, o imunizante mais aplicado, tem efeito protetor duas semanas após o reforço. Apenas na semana passada é que os primeiros vacinados com o imunizante de Oxford/Fiocruz começaram a receber a segunda dose, injetada após três meses de intervalo.
Projeção feita pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington e que costuma acertar em projeções, antevê mais de 45 mil mortes por coronavírus no início de agosto no Rio Grande do Sul, se mantido o ritmo atual da pandemia. Caso a população use máscaras o tempo todo, o número de vítimas cairia para 37,3 mil.
— A vacinação atual é suficiente para amenizar, mas, se pensarmos no Chile, que teve muito mais vacinação e continuou tendo muitos casos, a vacinação sem comportamento adequado não contém uma nova onda. Uma festa de 400 pessoas é um abuso sem tamanho. Enquanto acontecer isso, não tem como se livrar desse problema — observa a médica epidemiologista Lucia Pellanda.