Danos causados por enchente em Honório Bicalho, um distrito da cidade de Nova Lima, em Minas Gerais, que foi atingido por fortes chuvas no ano passado — Foto: Pedro Vilela/Getty Images/via BBC
Publicado por: Marcelo José de Sá Diretor-Presidente e Editor-Geral do Site do jornal Espaço
Mal estar psíquico relacionado à crise climática ganha força à medida que eventos extremos se tornam mais frequentes — e está relacionado ao grau de consciência em relação aos problemas ambientais.
“Eu fiquei espantada como psiquiatra”, diz Debora Tseng Chou. “Os entrevistados citam pânico, dificuldade para dormir e a sensação de que estamos atrasados para resolver um problema urgente.”
São crianças e adolescentes brasileiros que relataram à pesquisadora suas preocupações com as mudanças climáticas — que se desenha como a maior crise desta e das próximas décadas.
“A gente não espera deles pessimismo em relação ao futuro. Principalmente numa fase em que a vida é encarada com a perspectiva de que pode ser melhor”, diz ela.
Chou e seu colega de pesquisa Emilio Abelama Neto ouviram 50 jovens entre 6 e 18 anos nas cidades de São Paulo, Itaparica (BA) e Salvador como parte de um estudo internacional liderado por Laelia Benoit, da Universidade de Yale, nos EUA, sobre emoções relacionadas ao estado do planeta.
Parte desses sentimentos se enquadra no que vem sendo chamado de “ecoansiedade”: uma palavra que, em inglês, já foi incorporada pelo dicionário de Oxford e é definida pela Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês) como “medo crônico da catástrofe ambiental”.
“A expressão ‘ecoansiedade’ começa a aparecer na literatura, ainda em livros de ecopsicologia, na década de 1990. Mas só agora a gente está vendo esse tema ganhar projeção”, diz Marco Aurélio Biblio.
Ele é presidente da Sociedade Internacional de Ecopsicologia, um campo nascido formalmente em 1989 nos EUA e que considera o cuidado com o meio ambiente como condição fundamental para o equilíbrio psíquico de um indivíduo.
É importante dizer que ecoansiedade “não é uma patologia, não é uma doença mental”, como explica a psicoterapeuta britânica Caroline Hickman, uma das maiores especialistas no tema.
“A ansiedade tradicional gerada, por exemplo, pelo medo de andar de avião é algo mais particular de um indivíduo. E a raiz do problema pode ser difícil de identificar”, diz ela à BBC News Brasil.
A angústia ligada à crise climática, por sua vez, possui uma causa bem definida e é caracterizada por um sentimento coletivo, afirma a psicoterapeuta.
“A sensação de impotência e frustração surge com a ação insuficiente dos poderes e a falta de consciência em outros setores da população.”
Do ponto de vista do profissional, Biblio defende que o tratamento para esse tipo de transtorno não deve ser o mesmo da ansiedade tradicional.
“A ecoansiedade tem que ser acolhida como uma possibilidade real e para todos. Então é mais inteligente numa situação dessas que o apoio terapêutico seja dado, junto à medicação quando necessário, confirmando o valor da fantasia psíquica do paciente, considerando como um dado real”, diz ele.
“É importante também que a pessoa que está sofrendo assuma o seu lugar dentro desse momento de grave crise. O profissional dá a confirmação do que o paciente está sentindo e o ajuda a encontrar uma maneira de se posicionar no mundo de maneira a aliviar o risco que a pessoa sente”.
Fogo em Machadinho do Oeste, em Rondônia, dentro da Floresta Amazônica — Foto: Ricardo Moraes/Reuters/via BBC
Ele lembra que “o risco de emergências ecológicas já vem sendo apontado há um bom tempo. Não é uma novidade. Mas continuamos a viver como se nada estivesse acontecendo. Dentro da ecopsicologia, começou a surgir a ideia de que vivemos uma espécie de negação coletiva”.
“Ou seja, na nossa organização das informações, nós retiramos de circulação aquelas que geram angústia. E aquilo que não se transforma em percepção se torna tensão. Assim, o nível de ansiedade aumenta.”
Uma entrevistada do estudo internacional relatou, segundo a pesquisadora Chou, que os jovens procuram evitar o tema nos bate-papos informais.
“Uma menina me disse: ‘A gente não conversa muito sobre isso, porque a gente tem 12, 13 anos. A gente quer conversar sobre outras coisas, fazer piada. Apesar de saber que essas coisas [as mudanças climáticas] são importantes, a gente acaba tentando não pensar’.”
No entanto, nós recebemos de forma cada vez mais frequente evidências concretas das mudanças climáticas.
No Brasil, os exemplos mais visíveis são as enchentes de 2022 em Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Petrópolis (RJ) e, mais recentemente, em São Sebastião (SP) e no Maranhão.
Eventos extremos se tornaram mais frequentes, e a grande maioria deles tem relação com o aumento da temperatura do planeta. O último relatório da ONU fala em “momento-chave” e “que esta é a década da ação, se nós quisermos mudar esse quadro”.
Hickman defende que a angústia tem um papel importante agora: um chamado para reconhecer os desafios e encarar a crise de frente.
“É uma resposta mentalmente saudável ao que está acontecendo hoje no mundo.”
Uma crise de ‘ecoansiedade’ uma década atrás
A ecoansiedade, de fato, está relacionada ao grau de consciência e nível de informação sobre a crise climática. Antes dos jovens, os cientistas foram os primeiros a sofrer com essa tensão.
O climatologista Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e que mantém no YouTube o canal “O que você faria se soubesse o que eu sei?”, conta que há quase 10 anos entrou em uma fase de depressão profunda com elementos de ecoansiedade.
“Foi por ser pouco ouvido [como cientista] e por questões pessoais que se entrecruzaram. Em 2014, eu fui convidado para um simpósio no Rio e perdi o voo por conta do que estava passando. Pelo carinho de colegas, eu fui convencido a entrar no avião no dia seguinte”, relembra Costa.
Durante o evento, ele viveu um momento catártico. Uma pessoa da plateia perguntou “como ele conseguia colocar a cabeça no travesseiro, como conseguia seguir adiante?”.
“Eu tirei da mala a caixa de remédios [ansiolíticos] e disse: ‘Só consigo jogando dopado’. Mas o fato de eu ter entrado fundo nisso anos atrás me possibilitou construir minhas defesas mais cedo.”
Chou observa que, entre seus 50 entrevistados, a inquietação tinha relação não apenas com a familiaridade desses jovens com o tema, mas também com o engajamento buscado por suas escolas e famílias.
Esses elementos são, quase sempre, reflexo do recorte socioeconômico — crianças e adolescentes de contextos com mais estrutura e poder aquisitivo possuem mais informações sobre as mudanças climáticas.
Camadas sociais com menos recursos apresentam uma noção mais microecológica (limpar a praia, reciclar o lixo) do que climática.
Mas a psiquiatra conta que a resposta de alguns contra os gatilhos do tema foi “buscar o engajamento em algumas atividades, tanto na escola quanto por meio das suas famílias, para converter essa ansiedade em ação e militância”.
Um pedido de desculpa às novas gerações
Um menino participando de protesto ambiental em Cardiff, no País de Gales, em novembro do ano passado — Foto: Getty Images/via BBC
O problema também está se refletindo na relação entre os jovens e os pais, diz Caroline Hickman. Um conflito geracional sobre as responsabilidades pelas mudanças climáticas vem ganhando corpo.
“Eu já vi filhos que se recusam a falar com os pais porque estão tão magoados, com tanta raiva. Ou que falam: ‘Por que vocês me tiveram sabendo que era esse o mundo em que eu ia nascer?’. Isso vem acontecendo. E vai crescer ainda mais”.
Ela diz que há outro caminho, apontado pelos trabalhos que realiza com pais e filhos juntos: “Se eles trabalham em conjunto para encontrar soluções nem tudo está perdido. Nós podemos encontrar soluções intergeracionais”.
“Mas só vamos alcançar isso se pedirmos desculpa para as gerações mais jovens. Precisamos reconhecer que nós ferramos com as coisas”, afirma a psicoterapeuta, de 61 anos.
“Por isso, a psicologia é importante. Para as gerações mais velhas encararem o luto, a culpa e a vergonha que devem sentir.”
“Porque as gerações mais novas vão olhar para nós e perguntar: ‘O que vocês fizeram? Só porque vocês não vão lidar com esse problema, vocês acharam que dava para esperar e deixaram para lá. Agora a escala das mudanças está rápida demais’.”
Hickman defende a normalização do tema, mesmo com crianças pequenas.
“Crianças de três anos conseguem entender em algum grau os desafios das mudanças climáticas, mesmo que não entendam exatamente o todo. Adultos podem falar que nem sempre as decisões certas são tomadas, mas que nós podemos fazer ajustes para corrigir o rumo. E as crianças da família podem fazer parte nisso, conversando sobre as escolhas do dia a dia da família”.
O climatologista Alexandre Costa, que tem três filhas, afirma:
“Hoje eu vou defender o que puder desse colapso. Nós precisamos do completo oposto do conformismo, do ‘tanto faz’.”
Como indaga um verso premonitório da banda alemã Atari Teenage Riot, escrito mais de uma década atrás: “será necessária outra crise para fazer uma outra geração entrar em ação?”.
Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c84m3j2nx7po
Por BBC
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